sábado, 30 de junho de 2012

O petróleo e o Noroeste Fluminense: repercussões prováveis

(O artigo abaixo analisa dados econômicos e demográficos do Noroeste fluminense e foi extraído do Boletim nº 36 (junho/2012) - disponível na página Royaties do Petróleo, desenvolvida no Programa de Mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades, da Universidade Candido Mendes - Campos dos Goytacazes/RJ. O Noroeste apresenta tendências opostas às do restante do estado, com crescimento no setor agropecuário e desindustrialização.

Por Luciana Machado da Costa

O Noroeste Fluminense (NOF) foi durante muito tempo polarizado pela economia açucareira do Norte Fluminense (NF). Com a implantação da economia do petróleo nesta última e a estagnação da primeira, até que ponto o poder de polarização do Complexo de E&P de petróleo e gás afetou o NOF?  O que o Complexo de E&P NF tem a ver com a trajetória recente do NOF?

Como ponto de partida para responder a essas questões este artigo traz uma breve análise da evolução recente da economia, do emprego e da dinâmica demográfica da mesorregião NOF.

Desde a Lei 7.453/85, que estendeu a cobrança de royalties sobre a produção de petróleo e gás na plataforma continental, alguns municípios da região NF e das Baixadas Litorâneas passaram a receber renda oriunda da E&P.

Até então, o NOF lutara durante muitos anos para se separar do NF, motivado, dentre outros fatores, pela excessiva polarização e monopólio dos recursos governamentais exercidos pelas elites da agroindústria açucareira regional, concentrada em Campos dos Goytacazes. Foi, desde a erradicação dos cafezais, na primeira metade do século passado, uma região periférica em relação àquela polarizada por Campos, estagnada economicamente (CRUZ, 2007). Finalmente, em 1987, houve a separação e o NOF se constituiu enquanto nova mesorregião.

A proximidade entre a lei de 1985 e a criação do NOF dois anos depois deixa entrever a influência do petróleo na divisão das regiões, já que as diferenças históricas e econômicas entre elas, apesar de reconhecidas, nunca haviam justificado a cisão das mesmas. À época, ficou o NF com apenas cinco dos quatorze municípios de então, dos quais dois recebiam as rendas oriundas do petróleo. O NOF, por sua vez, não herdou nenhum município beneficiado diretamente pelos royalties.

A partir de então estavam configuradas novas rupturas entre as trajetórias das duas mesorregiões, definidas, direta e indiretamente, a partir do Complexo de E&P, hoje consolidado, e que aprofundou os contrastes entre as dinâmicas demográficas, produtivas e do mercado de trabalho formal entre o NF e o NOF do estado do Rio.

Já na década de 1990, considerando-se o Censo 2000, os números do IBGE evidenciavam a força da atividade petrolífera na atração populacional e no processo de urbanização, conforme dados demográficos da Tabela 1. Enquanto o NOF apresentava uma taxa de crescimento na população absoluta (9,11%) abaixo da do Estado do Rio de Janeiro (12,57%), o NF (14,53%) ficou acima, com destaque para a microrregião de Macaé, onde se concentraram as instalações físicas do Complexo de E&P, com um crescimento populacional de 35,53%, três vezes maior que o do estado.

A primeira década do século XXI, de acordo com o Censo de 2010, mostra um aprofundamento da tendência do decênio anterior e o crescimento populacional do NOF (6,6%) é ainda menor em relação ao período anterior e quase metade daquele do estado do RJ (11,11%).

Nas duas décadas em análise, NF e NOF apresentaram uma acentuada urbanização da população, e apesar desta última região ser considerada importante reduto da produção agropecuária do estado, teve elevada perda de população rural, -28,08% entre 1991 e 2000 e -11,29% entre 2000 e 2010, valores muito superiores aos do estado, -6,08% e -7,74%, respectivamente, e mesmo acima do NF, -17,51% para 1991-2000 e -3,58% para 2000-2010, que sofria os efeitos urbanizadores da economia do petróleo.

Por outro lado, é possível observar que a redução da população rural do NOF nem sempre foi compensada, nos períodos em tela, por um ganho equivalente em população urbana. Além disso, dados desagregados do IBGE indicam perda absoluta de população para o município-polo de Santo Antônio de Pádua, além dos municípios de Italva, Natividade e Cambuci, indicando uma migração não apenas para os polos do NOF como também para outras regiões, embora tais perdas devam ser relativizadas pela criação dos municípios de Aperibé, que pertencia a Pádua, de Varre-Sai, separado de Natividade e de São José de Ubá, desmembrado de Cambuci.

Ordinariamente, uma urbanização nos níveis apresentados pelo NOF está associada a um forte processo de industrialização e/ou fortalecimento do setor terciário. Em parte, o PIB da região, conforme Tabela 2, com dados de 1999 a 2008, confirma a força do setor terciário, com um crescimento de 120,46% no período entre 1999 e 2008, pouco abaixo do crescimento do estado, que foi de 129,33%, embora bem menor que aquele da região do petróleo,

O NOF, o qual mais que dobrou o PIB de serviços com uma evolução de 210,22%. O setor industrial, entretanto, não apresenta igual vigor, e o NOF ainda é visto pelos planos de governo como área de destaque em termos de produção agropecuária, apresentando o PIB deste setor um crescimento aparentemente compatível com esta perspectiva.

Porém, apesar dos planejados investimentos estaduais, o maior PIB da região advém do setor de Serviços, cujo crescimento supera o do setor agropecuário em seis pontos percentuais.

De fato, numa análise comparativa a agropecuária do NOF apresenta-se ainda mais frágil, pois, apesar de sua representatividade para a produção estadual, esta é ínfima em relação ao PIB total do RJ, equivalendo a apenas 0,61% em 1999 e 0,44% em 2008. ou seja, apesar do NOF aumentar sua importância para o PIB agropecuário do estado, passando de 11,79%, em 1999, para 13,56%, em 2008, a relevância deste setor para o PIB total do estado vem caindo gradativamente nas últimas décadas. Também contribui para o aumento da importância do NOF neste setor a redução do papel já tradicional exercido pelo NF, que respondia, em 1999, por 24,72% do PIB agropecuário estadual, mas que em 2008 já apresentava uma queda de mais de 6%, provavelmente em decorrência do crescimento disparado do setor industrial e de serviços associados à E&P de petróleo.

Contudo, é inegável o crescimento da produção agropecuária do NOF entre 1991 e 2008, e não se pode negar a importância do mesmo para a economia regional, ligado à produção de leite e seus derivados, e que conta com a presença de cooperativas e agroindústrias, embora não seja um segmento importante na geração de emprego. 

Destarte, apesar do NOF apresentar grandes perdas de população rural, ele continua aumentando seu PIB agropecuário, tornando-se necessária uma investigação para esclarecer se estaria acontecendo a substituição da lavoura pela pecuária; um processo de concentração de terras com expulsão dos pequenos produtores rurais; uma especialização da produção; avanço tecnológico, ou mesmo outras hipóteses que só uma pesquisa distinta poderia apontar.

No setor industrial o NOF encontra sua pior face. Em que pese o crescimento apresentado no período 1999-2008, de 54,77%, este valor é residual, conforme Tabela 3, onde os dados desagregados denunciam que o NOF vem sofrendo uma desindustrialização, com queda no PIB industrial de -14,96%, entre 2005-2006; -51,43%, entre 2006-2007; e -3,31%, entre 2007-2008. o NOF, portanto, destaca-se negativamente em relação à tendência do NF e do próprio estado, que fortaleceram acentuadamente o setor industrial, o que também é apontado pelos Estudos Socioeconômicos dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro, publicados anualmente pelo Tribunal de Contas do Estado.

Assim, percebe-se que o Noroeste Fluminense teve seu PIB fortalecido justamente no setor mais fraco do estado, o agropecuário, e apresentou desindustrialização quando o RJ acumulou crescimento de quase 300% na indústria; ou seja, em ambos os setores o NOF possui tendências opostas à do estado.

Enquanto RJ e NF concentram seus esforços no setor industrial, cujos produtos possuem maior valor agregado e cuja mão de obra é mais qualificada, tendendo à formalização, o NOF ainda tem na agropecuária sua atividade produtiva mais relevante.

Esse quadro tende a ser reproduzido e mesmo acentuado quando observamos o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, divulgado pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão do Rio de Janeiro (Seplag), em 2010.

Com poucos investimentos previstos para a indústria da região, grande parte dela ligada a atividades extrativas, com nenhum ou pouco beneficiamento (Rochas e Pedras Ornamentais de Santo Antônio de Pádua; cimento e calcário de Italva e Itaocara), o plano aposta em investimentos na fruticultura, quando a região se destaca na pecuária leiteira; e na silvicultura extensiva, inclusive ligada à produção de celulose, um investimento com tendências monocultoras, não-gerador de empregos formais, e discutível do ponto de vista ambiental.

No setor de serviços, porém, como visto, o NOF imita a tendência do estado, e a análise dos vínculos formais na região parecem reforçar a pujança deste setor, haja vista a Tabela 4, onde o crescimento do saldo de vínculos é quase cinco vezes maior que a do estado do Rio de Janeiro no período 1991-2000 e o dobro no período 2001-2010.

É interessante observar que no primeiro decênio, 1991-2000, o crescimento de vínculos formais no NOF superou em muito o crescimento do NF — ainda que os números absolutos deste sejam mais expressivos — e o estado do Rio apresentou o mesmo baixo dinamismo que o NF.

Este destaque do NOF em relação ao NF, marcado pela economia do petróleo, e em relação ao próprio estado do Rio, está ligado, em grande parte, ao processo de perda de população rural, marcada pela informalidade e pelo uso de mão de obra familiar, e intensa urbanização, tendendo-se, portanto, a uma formalização do vínculo empregatício nesta mesorregião, provavelmente nos segmentos de comércio e serviços.

Esta análise é reforçada quando observamos a Tabela 5, que calcula a porcentagem de vínculos formais em relação à população absoluta, no período 1991 a 2000 e 2000 a 2010. Nela é possível observar que apesar do intenso crescimento da empregabilidade formal no Noroeste, quando a comparação é feita de forma proporcional, os índices de emprego formal em relação à população absoluta do NOF são semelhantes (2000) ou inferiores (1991 e 2010) ao NF.

Na primeira década do século XXI o NOF dá sequência a este processo, apesar de seu tímido crescimento populacional (6,6%, Tabela 1), com crescimento no saldo (45,43%, Tabela 4) e na evolução dos empregos formais em relação à população absoluta (71,28%, Tabela 5), muito superior ao do estado — 22,12% e 62,52%, respectivamente.

Já o NF passa por uma inflexão, tributária da acelerada dinamização da E&P do petróleo, motivo pelo qual cresceu em mais de quinze vezes seu próprio saldo de empregos formais da década anterior e aumentou drasticamente a relação empregos formais/população absoluta, passando de 29,04% no período 1991-2000, para 134,43% em 2000-2010. Este crescimento expressa, muito provavelmente, decorrências da vertiginosa elevação das rendas petrolíferas, com a Lei do Petróleo de 1997, que aumentou em muito, por exemplo, o emprego público, nos denominados municípios petrorrentistas do NF, bem como a atratividade deste mercado de trabalho sobre regiões vizinhas, polarizando-as.

Através dos dados analisados é patente que enquanto o NF, alavancado economicamente pela indústria do petróleo e suas rendas, apresenta uma intensa dinâmica populacional, o NOF encontra-se estagnado. Apesar disso, há um intenso crescimento do setor de serviços nesta mesorregião, que não encontra correlação no setor industrial.

Sendo o setor agropecuário, o segundo maior PIB do noroeste, marcado pela informalidade e pela mão de obra familiar, e o setor industrial pequeno, resta indagar sobre a origem do capital circulante que dinamiza o setor de serviços do NOF.

Ainda que o crescimento do setor agropecuário possa em parte ser o motivador, configurando-se a região urbana como uma fornecedora de serviços para a zona rural, o PIB do setor primário por si só não justifica a intensidade da urbanização e do crescimento terciário. Cabe indagar, então, até que ponto a polarização da indústria de exploração e produção de petróleo na geração de empregos beneficiou o NOF, através da injeção dos recursos dos salários de seus trabalhadores que se empregam no NF.

Sabe-se que muitos trabalhadores das plataformas marítimas mantêm residência nos seus municípios de origem, constituindo família e irrigando o comércio, a construção civil e os serviços nesses municípios com os seus salários.

No entanto, é preciso avaliar o peso dessa hipótese nos indicadores aqui apresentados, sendo esta uma pesquisa que urge ser realizada.



Obs.: as tabelas foram inseridas na postagem em 11/09/2013.
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Luciana Machado da Costa é docente do Instituto Federal Fluminense, membro do Observatório Socioeconômico do Noroeste Fluminense, Mestranda em Planejamento Regional e Gestão de Cidades pela Universidade Cândido Mendes. E-mail: lmachadoc@iff.com.br

Referências Bibliográficas:
Cruz, J. L. V. Os Desafios do Norte e do Noroeste Fluminenses Frente aos Grandes Projetos Estratégicos. Campos dos Goytacazes/RJ, Vértices, v. 9, n. 1/3, jan./dez. 2007, P. 43-50.

Governo do Estado do Rio de Janeiro. Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão – SEPLAG. Plano de Desenvolvimento Sustentável do Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: SEPLAG, 2010.

Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Estudos Socioeconômicos dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Geral de Planejamento, 2011.

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