quinta-feira, 29 de outubro de 2009

CALÇAMENTO 116 x 36 ASFALTAMENTO


O calçamento das ruas de Miracema teve início na gestão do Capitão Antonio Ventura Lopez como prefeito do município de Pádua (1927-1929). Uma vez eleito prefeito, Ventura Lopez criou a subprefeitura no 2º distrito, Miracema, e indicou para subprefeito Virgílio Damasceno.

O primeiro calçamento foi em parte da rua Direita. Os moradores desta parte que foi calçada tiveram que contribuir. O passeio público e ¼ da rua na frente destas casas foram custeados por seus moradores.

O Capitão Altivo Linhares quando foi interventor no município de Pádua, em 1930, prosseguiu com os calçamentos de ruas em Miracema.

Daí em diante, os calçamentos de ruas fizeram parte das obras de praticamente todos prefeitos que governaram Miracema. Ultimamente, as pedras vêm cedendo lugar para o asfalto. Talvez porque o custo do asfaltamento tenha ficado competitivo diante do calçamento, uma vez que requer menos mão-de-obra?

Depois de muitos anos de uso, as pedras dos calçamentos ficaram lisas e com as quinas moldadas, proporcionando melhor rolagem dos pneus. A manutenção de calçamentos é atividade mais simples do que outro tipo de piso, além de não impermeabilizar o solo e ter outras vantagens em relação ao asfalto.

Em agosto passado, fomos surpreendidos ao tomar conhecimento da edição do Decreto nº 144, de 1º de abril de 2009, da Prefeitura Municipal de Miracema, que promoveu o destombamento das principais ruas do centro da cidade, assim como dos oitis que as adornam. E o decreto, na sua exposição de motivos, utilizou terminologia incomum, para decreto, para justificar o destombamento, como “de forma ardilosa”, “ardil perpetrado” e “demonstrando forma sorrateira”, além de afirmar que não houve manifestação do Conselho Municipal de Cultura da época do tombamento. Mais surpresos ainda ficamos ao saber que o decreto de tombamento, o Decreto nº 349, de 2 de janeiro de 1995, ao qual se referiu o Decreto nº 144/2009 na sua exposição de motivos, havia sido promulgado pelo mesmo gestor, em mandato passado. E para completar o quadro de surpresas, soubemos que o Conselho Municipal de Cultura da época do tombamento havia sim se manifestado claramente pelo tombamento, por intermédio do Ofício nº 3, de 19 de dezembro de 1994.

Depois desta trapalhada toda da administração municipal na promulgação do Decreto nº 144/2009, esperamos que desistam desta idéia de cobrir com a negritude do asfalto os paralelepípedos das principais ruas do centro da cidade, que tanto embelezam Miracema e enchem de orgulho seus moradores.


Fonte de pesquisa: Departamento de Estatística e Publicidade/Serviço Técnico de Publicidade (Miracema – Memória da Fundação desse Município Fluminense, 1936); e blog PV de MIRACEMA (http://pvmiracema.blogspot.com/2009_08_01_archive.html) .

Título: baseado na enquete feita pelo blog O VAGALUME (http://blogovagalume.blogspot.com/2009/10/resultado-da-enquete-do-blog.html), cujo resultado foi divulgado em 2 de outubro de 2009, pelo mesmo blog, por meio do post “RESULTADO DA ENQUETE DO BLOG”.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Verão de 1977: um miracemense seminu pela praça no Rio de Janeiro

Era véspera do dia do padroeiro da cidade do Rio de janeiro, dia de São Sebastião, uma quinta-feira, inesquecível para mim aquele fatídico dia.

Eu era solteiro, recém formado, tinha emprego fixo e dividia um apartamento de quarto-e-sala na Praça São Salvador com o meu amigo Carlos Luís, que era da mesma cidade do interior do Estado do Rio que eu, Miracema.

O meu amigo, como tinha noiva que morava no Flamengo e estava fazendo economias para casar, dificilmente aproveitava os feriados prolongados para viajar, mas naquele feriado ele havia decidido visitar seus pais em Miracema, pois sua namorada iria acompanhar a mãe em visita a parentes no Maranhão.

Diante daquela oportunidade de estar só no apartamento, eu não perdi tempo, cancelei a viagem que sempre fazia a Miracema nos feriados como aquele e fiz convite para a minha namorada vir me visitar.

Ao chegar do trabalho, naquela quinta-feira, resolvi sair para fazer compras em um supermercado próximo, para bem receber minha namorada. Quando voltei, com todos aqueles apetrechos de limpeza, fui fazer faxina no apartamento, pois já havia muito tempo que não se fazia uma boa limpeza nele. Ora por falta de tempo, ora por preguiça de seus ocupantes, em até mesmo para contratar uma faxineira.

Logo após colocar as compras na cozinha, fui para o quarto trocar de roupa e, como estava só, fiquei à vontade, apenas de cueca. Depois de iniciada a limpeza, comecei a transpirar devido ao forte calor que estava fazendo naquele dia de verão. Então decidi abrir totalmente a janela da sala para que entrasse ar. A praça proporcionava ar fresco que entrava no apartamento depois de passar pelas folhagens das frondosas árvores que ali existem.

O prédio da praça São Salvador era muito antigo, poucos pavimentos e apenas dois apartamentos por andar, um de frente e outro de fundos. Havia um porteiro, já com certa idade, que não morava no prédio e só trabalhava durante o dia e folgava nos feriados e fins-de-semana. A luz dos corredores era a do tipo que se apaga automaticamente, após um tempinho.

O foxter da senhora viúva que morava no térreo, cuja janela ficava ao lado da única porta de entrada do prédio, funcionava como uma espécie de campainha para todos os moradores, quando alguém entrava ou saía do prédio. Por duas ou três vezes, o senhor aposentado que morava no apartamento de frente do segundo andar quis, numa reunião de condomínio, expulsar aquele cachorro do prédio. Mas, foi desmotivado, pela bondade da senhora sua esposa e de alguns dos vizinhos com os quais discutia o assunto. Estes, compreensivos da solidão de uma senhora viúva ou preocupados com a consequente falta de segurança que o prédio poderia ficar.

O Carlos Luís se divertia com as discussões que o cão-porteiro-campainha provocava e gostava de acirrá-las irritando ao máximo aquele cachorro, toda vez que ele entrava ou saía do prédio, principalmente quando chegava à tarde do trabalho. Ele fazia isso com um pé dentro da portaria e outro na escada de fora, que ficava debaixo de uma pequena marquise. Quando a dona do cachorro chegava na janela para ver por que motivo seu adorado cãozinho estava tão nervoso, ele imediatamente entrava para o interior do prédio, sem dar chance para ela ver quem estava irritando o seu “adorável” cãozinho. Carlos Luiz se divertia em ouvir aquela velha senhora praguejando.

Já passava da meia-noite quando vi que a lixeira de casa estava muito cheia e resolvi esvaziá-la na do prédio. Como já era tarde da noite e reinava absoluto silêncio no corredor do andar deixei a porta aberta para aproveitar a luz advinda do apartamento e fui, mesmo de cueca, à lixeira. No exato momento em que abri a porta da lixeira, senti e reconheci não só aquele vento frio que lambeu minhas costas, devido à corrente que se formou com a janela e a porta do apartamento abertas com a entrada de ventilação do corredor do prédio, como também o estampido de porta se fechando abruptamente. No instante que a porta bateu, fechei os olhos devido ao susto que levei e, por alguns instantes, me neguei a abri-los porque não queria acreditar que pudesse ser a porta do meu apartamento que havia sido fechada. Quando abri os olhos, naquela absoluta escuridão, fui tocar na porta para acreditar de uma vez por todas no que tinha acontecido, e lamentei a minha falta de sorte.

Diante daquela situação, comecei a pensar em como resolvê-la: bater no vizinho do apartamento dos fundos, explicar o ocorrido e pedir ajuda. Descartei esta hipótese, porque o vizinho não era só morador novo, estava recém casado também. Acordá-los naquela hora da noite para explicar a minha falta de sorte, só de cueca, seria muito constrangedor. Como não tinha nenhum conhecido no prédio, achei melhor aguardar a chegada do porteiro, pela manhã do dia seguinte.

Enquanto esperava o porteiro, sentado naquela escada de cimento, gelada, do corredor e se levantando de tempo em tempo para acender a luz, lembrei que o porteiro não viria trabalhar, pois era feriado naquela sexta-feira. Então resolvi descer até à portaria para ver se conseguia ajuda, mas, quando estava diante do portão de entrada do prédio, buscando coragem para abri-lo, avistei uma patrulha da polícia passando em uma ”joaninha“, circulando bem de devagarzinho pela praça deserta, assustei-me e procurei esconder-me, pois achei que não saberia explicar aquela situação e poderia ir parar na cadeia. Foi então que lembrei do quartel do corpo de bombeiros que ficava de frente para a praça a uns 100 metros do meu prédio e pensei em pedir ajuda lá, pois pelos bombeiros eu achava que não seria preso. Assim pensei.

Demorei uma hora ou mais para tomar a coragem de enfrentar somente de cueca o percurso até os bombeiros: da portaria do meu prédio eu não tinha visão de toda praça, mas pelo que se conseguia ver e pelo horário avançado, imaginei que não deveria encontrar ninguém. A porta do prédio era daquelas que só abria sem chave por dentro.

Durante o percurso até os bombeiros encontrei com um casal de namorados dentro de seu carro parado, provavelmente o rapaz deveria estar deixando a bela jovem em casa e estavam se despedindo. Depois das caras de espanto que fizeram quando me viram, deram barulhentas gargalhadas. Encontrei também com dois garis que pararam de trabalhar para observar atentamente e interrogativamente a minha corrida pela praça.

Chegando no quartel, não vi nas guaritas os soldados que deveriam estar de plantão. Parado na frente do quartel, sem saber exatamente o que fazer, resolvi entrar para ver se via alguém e escutei vozes de pessoas conversando vindas do fundo da parte térrea daquele prédio. Fui em direção das vozes e me deparei com quatro soldados jogando baralho. A reação dos soldados quando me viram ofegante da corrida e também de medo, somente de cueca, foi diversa: uns ficaram com cara de quem foi surpreendido roubando, outro apanhou o fuzil que estava encostado na parede e me apontou. Eu fui logo me explicando, mas os soldados não só se recusaram a ajudar-me, como foram inóspitos, falaram como policiais que repreendem um contraventor apanhado em flagrante. Um deles chegou a dizer que não tem justificativa para uma falta de respeito daquelas, entrar desapercebido em um quartel militar só de cueca.
Enfim, acabaram compreendendo a situação constrangedora que me encontrava, mas disseram que eu teria que pedir auxílio da polícia, pois a eles não competia tal ajuda. Desolado, me despedi para tentar ajuda em outro lugar, quando ouvi de um deles, o que me pareceu mais sensibilizado com a minha falta de sorte, que poderia agir fora do regulamento, poderia colocar uma escada naquela culposa janela da sala para que eu pudesse entrar no apartamento, desde que me identificasse imediatamente após.

E assim foi feito, me identifiquei e recompensei, com grande satisfação, alívio e felicidade, o compreensível soldado, com quase todo dinheiro que havia sacado no banco para passar aquele “feriadão”.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O ribeirão Santo Antônio agoniza, mas não morre, como diria nosso grande sambista Nelson Sargento

Como muitos sabem, a usina de açúcar Santa Rosa, que existiu em Miracema, acumulava os resíduos da moagem da cana-de-açúcar, denominados de vinhoto, e soltava-os no ribeirão, assim como as mecânicas que davam fundos para o ribeirão, costumeiramente despejavam óleo queimado de motor de combustão nele, envenenando sua água, sem que nenhuma autoridade do município impedisse.

Lembro que quando isso acontecia muita gente, inclusive eu, ia para a margem do ribeirão, com um pedaço de pau, tentar matar e recolher os peixes que ficavam na tona d’água a procura de oxigênio. Eram lambaris, mandis, bagres, traíras, cascudos, canelas-de-moça, sairus, bocarras e carás. Os cascudos e carás eram os mais resistentes, mas nem mesmo eles resistiam aquele vinhoto. A mortandade de peixes se estendia por cerca de 20 quilômetros, da usina a desembocadura do ribeirão no rio Pomba, em Paraoquena.

Mesmo assim, apesar destes envenenamentos todos, estas qualidades de peixes resistiram por muito tempo. Hoje em dia, parece que só existem peixes imigrantes no ribeirão, como a tilápia.

De lá pra cá, a coisa melhorou muito em termos de consciência sobre a preservação do ribeirão, mas ainda existe muito por se fazer para despoluir suas águas, para que, quem sabe, tais peixes voltem a povoá-lo.

Quando será que as autoridades políticas de Miracema vão empunhar, com muita firmeza, prioridade e determinação, esta bandeira de lutar pela despoluição do Santo Antônio?

O Cinema Paradiso de Miracema

No cinema VII os filmes eram em preto e branco, as cadeiras eram desconfortáveis, de madeira, e normalmente o filme era interrompido várias vezes durante a sessão porque sempre acontecia da fita arrebentar, afora as gracinhas que uns gaiatos da platéia gritavam durante a sessão e os objetos que eram jogadas na cabeça do público pelo pessoal que frequentava o balcão (o povo chamava de poleiro); local onde mais tinha pulga naquele cinema. Algumas pessoas que moravam nas proximidades preferiam levar suas próprias cadeiras, para terem mais conforto. Volta e meia o Buru, bilheteiro e administrador do cinema, tinha que intervir e botar um moleque pra fora.

Em certo dia da semana, antes do filme programado e depois do noticiário, era exibido um seriado, geralmente de muita ação, que a molecada adorava.

Assisti muito drama quando criança, pois esse era o tipo de filme que mais agradava aos meus pais, e como eu os acompanhava em suas idas ao cinema, assistia comendo pipoca do pipoqueiro Daniel. Após as sessões ia para casa escutando o comentário que eles faziam sobre o filme. Dos dramas que vi naquela época o que mais lembro foi “La Violetera”. Talvez porque minha mãe tenha cantarolado a música tema do filme por muitos dias, cujo refrão lembro até hoje: “compre, compre este ramito, la violetera”.

Lembro do Cosme imitando e decorando as falas dos personagens dos faroestes americanos durante a exibição do filme, andando de lá para cá no espaço entre a tela e o início das cadeiras, e a platéia mandando ele se sentar.

Cosme era um rapaz alegre, negro, simples, analfabeto, vivia de biscate e era apaixonado por bang-bang. Para não pagar ingresso no cinema ele buscava na estação de trem a lata com o rolo do filme que ia ser exibido.

De tanto ver os filmes de faroeste, ele andava pela rua tentando pronunciar as falas em inglês dos personagens, ou simplesmente enrolando a língua, para as pessoas que cruzassem por ele na rua. Tudo na sua vida girava em torno dos filmes de faroeste, lembro dele correndo pela rua batendo com os pés no chão e com as mãos batendo nas coxas, para reproduzir som de cavalo a galope, e dando gritos de guerra de índio americano, entrecortados por imitação de estampidos de tiros de rifle. Quando eu cruzava com Cosme na rua ele me apontava o dedo indicador, como se fosse um revólver, e dizia uns grunhidos que eu nunca conseguia decifrar.

Acostumávamos distinguir o tipo do personagem que Cosme encarnava, pelas dobras na aba que ele fazia no seu chapéu de palha: dobras normais – xerife; dobras sem critério – bandido; e dobras criteriosas – mocinho. Ele dormia sob as marquises das calçadas das ruas sempre com o chapéu sobre o rosto, conforme os cowboys dos filmes que ele via.

Por onde andará o Cosme?

Outro cinema paradiso em Miracema era a sessão promovida pela loja “O Rei dos Barateiros”. Periodicamente, a loja montava quando anoitecia tela de cinema no porta da agência chevrolet, do outro lado da rua, e, de cima da marquise da Loja, projetava filmes para a população.

Lembro de um episódio que sempre se repetia: alguns moleques simulavam briga e um deles segurando um pedaço de pau lambuzado de fezes na outra ponta pedia para alguém, que não sabia da sujeira, segurar o pedaço de pau para que ele pudesse brigar no braço com o oponente. Quando esse alguém segurava o porrete, o moleque puxava-o deixando a mão da inocente pessoa toda suja. Então eles saiam correndo e rindo da vítima.


Ao ler a crônica “Assombrações” da série “Miracema de Ontem e de Hoje” do meu amigo Bebeto Alvim, no seu blog MOINHO DE PAZ (http://moinhodepaz.blogspot.com/2009/10/miracema-de-ontem-e-de-hoje.html), me ocorreu esta. Obrigado meu amigo! pela inspiração.

Quando o Mulambo parou de beber


Para estimular a criação de gado leiteiro em região próxima de grande centro consumidor, no caso o Rio de Fevereiro, o Banco da Belíndia, em certa ocasião, implantou programa de empréstimo financeiro aos produtores rurais para aquisição, ou ampliação do plantel, de gado leiteiro.

“Dinheiro barato! Prestações baixinhas! Ah! É comigo mesmo!”, disse o Mulambo.

Não deu outra, Mulambo foi lá e apanhou o tal empréstimo, e, claro, não comprou gado nenhum, gastou tudo na farra e boemia.

Um belo dia, Mulambo recebeu uma carta do Banco da Belíndia, para comunicar-lhe a data em que os fiscais do banco iriam vistoriar o gado adquirido com o empréstimo.

Aí o Mulambo entrou em desespero: “Meu Deus o que vou fazer?”. E começou a imaginar formas de se livrar dos fiscais: “Já sei, vou pedir as vacas do meu vizinho emprestadas e dizer para os fiscais que as comprei com o dinheiro do empréstimo. Não, não vai dar certo, meu vizinho não vai concordar, por causa daquele maldito cavalo dele que peguei emprestado e vendi para os ciganos que sempre passam por aqui, e disse pra ele que o cavalo havia morrido na última enchente do ribeirão. Mas acho que ele não engoliu a estória, pois sempre que pode relembra o fato com ar de quem foi enganado, e diz em tom prosaico: - É... Seu Mulambo, já ouvi muita história de enchente aqui na nossa região, que já morreu muita galinha, estragou muita plantação, que já morreram até alguns porcos, mas cavalo morrer em enchente eu nunca tinha escutado não!”

- “Ah!!!, já sei! Pensou o Mulambo. Vou apanhar empréstimo em outro banco e comprar umas vacas pra mostrar aos fiscais e, logo depois, vendo as vacas pra pagar ao banco”. Aí um amigo do Mulambo, que é bancário, disse pra ele que esse plano não era perfeito, porque os fiscais continuam a fiscalização até que toda a dívida seja saldada, e, além disso, ele não poderia dar o mesmo sítio em outra hipoteca.

-“É..., tá difícil companheiro. Acho que vou pedir ajuda pra um amigo lá do Nordeste, da época em que eu fui caminhoneiro, pra indagar por lá como foi que aquele pessoal do empréstimo da mandioca resolveu com os fiscais.” Disse Mulambo para o amigo bancário. Novamente o amigo desaconselhou-o. Desta vez, com o seguinte argumento: “Mulambo, você é barrigudinho, no máximo lambari, esse pessoal do empréstimo da mandioca é peixe graúdo, a solução deles certamente não vai estar ao se alcance, e, além do mais, não vai colar de novo. Né?”

Sem mostrar saída para a situação em que se metera, Mulambo deixou de ser aquela pessoa alegre que sempre fora e passou a ficar muito triste e contemplativo da paisagem do seu sítio, como se estivesse se despedindo dela. Ficava durante o dia, a contemplar os morros com seus pastos desocupados, as matas, os açudes, o ribeirão, o curral sem vacas..., e passava as noites pisando nos besouros e paquinhas, atraídos pela luz da varando do botequim que ele havia aberto no sítio que caíam no chão, e dando vassouradas nas aranhas caranguejeiras, atraídas pelos besouros e paquinhas pisoteados pelo Mulambo. Pela manhã ele recolhia os insetos em sacas de juta e levava para as galinhas. Chegou a juntar em noites quentes de verão, com pouco vento, cerca de duas sacas de 60 Kg. Ele dizia que a qualidade dos ovos das galinhas melhorou depois que ele substituiu o milho pelos insetos, ficaram mais afrodisíacos. Até a bandeira do Flamengo que sempre esteve hasteada na sacada do botequim ele recolheu. E o pior foi que ele não se alimentava mais normalmente, só comia ovos e, por incrível que pareça, não estava bebendo mais cerveja. O empregado dele contratado para fechar a porta do botequim, que era pesada - de ferro enrolado e presa ao teto -, começou a procurar outro emprego, pois o próprio Mulambo passou a fechar tal porta. Antes ele não conseguia fechar a porta devido ao grau alcoólico que normalmente àquela hora da noite habitualmente se encontrava.

A família e os amigos do Mulambo começaram a se preocupar com ele, pois Mulambo era o exemplo perfeito daquele ditado que diz que haveria mais paz e alegria no mundo se a humanidade estivesse a uma dose de uísque acima (não sei a origem desse ditado, mas parece que é inglês). O Mulambo quase sempre estava, no mínimo, com dez garrafas de cerveja acima, ou melhor, quase sempre estivera. Os amigos do Mulambo, quando comentavam sobre ele, diziam que todos os dias passaram a ser segunda-feira, porque esse era o único dia da semana em que o Mulambo não bebia, não por falta de vontade, mas por falta de parceiro, pois das poucas coisas na vida que ele não gostava, beber sozinho era uma delas. Aliás, ele não gostava de ver ninguém bebendo sozinho. Se entrasse uma pessoa desconhecido no seu botequim e pedisse uma cerveja para beber sozinha o Mulambo logo mostrava sua solidariedade: puxava conversa, apresentava seu copo e fazia absoluta questão de dividir a conta. “No meu botequim ninguém bebe sozinho”, dizia ele. Havia quem afirmasse que não se tratava de nenhuma solidariedade do Mulambo, que ele simplesmente procedia dessa forma, para ele mesmo não beber sozinho. O Mulambo gostava tanto de cerveja que nunca reclamava da marca que serviam para ele e jamais culpava essa ou aquela marca por uma dor de cabeça de uma ressaca qualquer. “Cerveja é sempre cerveja, temos de dar crédito para estimular o fabricante e fomentar a concorrência e, em conseqüência, melhorar a qualidade. Quem sai ganhando somos nós”, dizia ele.

Mas foi contemplando a paisagem do pasto no maior morro do seu sítio, do botequim que ele havia ali aberto, ponto predileto das reuniões a tardinha dos bebedores semi-profissionais de cerveja das redondezas, que ele teve a idéia mais criativa para resolver o problema da fiscalização do Banco da Belíndia. Aí ele não perdeu tempo, abriu logo uma garrafa de cerveja e mandou o seu retireiro, que nunca retirou leite de nenhuma vaca, chamar os amigos para expor a brilhante idéia. Assim que os amigos chegaram, Mulambo foi logo apontando para o pasto no alto do morro e dizendo: "Olha lá, olha lá, estão vendo aquelas pedras encravadas no pasto que vocês sempre me disseram que não servem pra nada e só desvalorizam minhas terras? Pois é. Serão elas a minha salvação, porque eu já até falei pro retireiro, vou pintá-las de cal e mostrar pra esses fiscais que são as vacas da raça nelore que eu comprei; subir lá pra ver de perto eles não vão porque a subida é muito íngreme e esse pessoal engravatado do banco não é alpinista. Cal, ainda bem, é coisa barata, o retireiro está sempre desocupado mesmo, portanto, se chover, eu mando caiar de novo até que esses fiscais cansem de vir aqui. Hoje quem paga a cerveja sou eu, e, está gelada, porque eu não tenho aberto o "freezer".


Crônica baseada nos causos que o Mulambo (é com u, mesmo) contava nas rodas de cerveja no seu botequim, que hoje em dia tornou-se um lindo restaurante. Os meus saudosos amigos Carlos Alberto Castelo Branco, o Beto, que fez o copy desk, e o Marcelino Alvim Tostes, o Marcelinim, a publicaram no Página Um, em setembro de 1995.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Um pouco da história em Miracema

O Golpe em Miracema

No Golpe Militar de 1964, foi preso em Miracema um grupo de amigos que tinham por hábito se reunirem na gráfica de um deles para baterem papo, inclusive sobre política. Quem conhece os hábitos das pessoas de cidades pequenas do interior, como Miracema, sabe que é muito comum formar rodas de amigos nos pontos comerciais de um deles para conversarem e passar o tempo.

O então delegado de polícia indicado para o cargo por político influente no município prendeu o referido grupo sob a acusação de que seus componentes eram subversivos e faziam parte do Grupo dos Onze, da política do Sr. Leonel Brizola. Pouco tempo depois, o grupo foi solto, pois nada ficou provado.

E na gráfica foi encontrado o desenho:



















A foto maior foi introduzida na postagem em 27/09/2014