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Dirceu Cardoso (Foto: acervo "Século Diário") |
Nos festejos comemorativos do 87ª aniversário da
Emancipação Política de Miracema será inaugurado busto de Dirceu Cardoso no espaço da
Prefeitura Municipal, que também será reinaugurada depois de passar por grande
reforma.
Dirceu Cardoso nasceu em Miracema em 4 de janeiro
de 1913, primogênito de Melquiades Cardoso e Adalgisa Leite. Formou-se em
Direito aos 20 anos de idade. Lecionou no Colégio Miracemense e foi membro participativo e notável orador da Campanha Separatista - movimento político para emancipação política do município -, sendo o escolhido por
Altivo Linhares, em 1934, para entregar e ler no palácio do governo estadual carta
dirigida ao interventor Ary Parreiras, na qual, enfim, colocava-se a favor do movimento separatista.
Dirceu Cardoso também foi um dos integrantes dos “Quatro
Diabos” - alcunha dada pelo povo derivada de filme em
cartaz na época no cinema XV de Novembro: preocupado com o movimento político no
distrito de Miracema, o comandante Ary Parreiras, na qualidade de interventor no estado do Rio
de Janeiro, enviou força militar que desembarcou em Miracema em 21 de abril de
1934. Com a chegada da força militar, Melquiades Cardoso, Dirceu Cardoso, José Negle
e Bruno de Martino, se responsabilizaram pelos boletins que haviam sido
espalhados em Miracema, com a distribuição de novo boletim:
“Aos Miracemenses: os abaixo assinados, para fins da garantia
da ordem pública, com a grande convenção miracemense de amanhã, declaram-se
solenemente responsáveis pelos boletins saídos ontem e por todas as ocorrências
que por dele ventura resultarem.
Ficam assim isentos de responsabilidade os demais signatários dos citados
Boletins.
Miracema, 21 de abril de 1934.”
Após a emancipação de Miracema Dirceu Cardoso
mudou-se para Muqui/ES para lecionar em educandário daquele município e ingressou
na política capixaba.
Carreira de Dirceu Cardoso a partir do ES:
- Prefeito de Muqui por dois mandatos
- Deputado Estadual do ES por dois mandatos
- Deputado Federal por ES por três mandatos
- Senador da República por dois mandatos
- Secretário de Segurança do ES
- Diretor do Porto de Vitória/ES
- Doutor “Honoris Causa” pela UFES
- Representante do Brasil na ONU
A seguir, a última entrevista concedida por Dirceu
Cardoso:
Da Revista Século Diário:
Dirceu Cardoso: o crepúsculo de um felino, arauto e
guardião da moral e da decência na vida pública
A reportagem a seguir, de Rogério
Medeiros, foi publicada originalmente na Revista Século Diário,em 2001. REDAÇÃO 02/04/2017
00:00 | Atualizado 08/03/2020 16:59
"Que é bom
morrer, quando se morre assim. Deixe que o amor, que é luz, se afogue
nele".
(Shakespeare )
Como o maior
felino da mata Atlântica, a onça, que se chega às margens dos rios e das lagoas
na velhice à espera da morte, a figura mais lendária da política capixaba
refugiou-se numa pequena cidade do sul de Vitória com o mesmo propósito: ‘’
Estou esperando a morte aqui como compensação pela vida. Mas ela está
demorando, já deveria ter chegado. O corpo fraqueja, a dor chega. Além do mais,
eu quero ir dormir com a minha querida companheira, enterrada no cemitério
daqui’’.
Quem almeja a
morte com tanta ansiedade é a própria figura de decência e da honestidade do
político nascido em Miracema (RJ), em 1913, mas que construiu sua trajetória
política em solo capixaba. Foi prefeito de Muqui, deputado estadual, federal e
senador da República. Aos 88 anos de idade [em 2001, ano em que foi feita a
reportagem], ele voltou para Muqui, onde iniciou sua vida política, com esse
propósito, mas relativamente esquecido na memória do Estado e até na própria
localidade que escolheu para homenagear com o seu cadáver.
Mas é difícil
acreditar que o corpanzil que ele ainda ostenta hoje esteja já na hora de ir
para o cemitério. O seu corpo, com os devidos descontos do tempo, é quase o
mesmo com que botou muita gente pra correr nos seus 50 e tantos anos de vida
pública. Bravo como uma onça, não foi, aliás, sem sentido que o repórter usou a
imagem do felino para compará-lo. Doutor Dirceu – como sempre foi chamado na
intimidade – resolver muitos casos no muque.
Sua trajetória
política e povoada de cenas de valentia. Quando líder do governo na Assembleia
Legislativa, nos idos de 50, ele acabou com a obstrução da oposição, feitas por
tenazes deputados, entre eles um célebre orador, Eurico Rezende, pegando o
projeto das mãos dos adversários, rasgando-o como um brutamonte – pois era
volumoso -, lançando-o pela janela do plenário, numa época em que as janelas
eram abertas, pois não havia ar refrigerado na Assembleia.
O forte do Doutor
Dirceu sempre foi a honestidade e o zelo por ela. Construiu uma história nesse
ramo. Se em favor dela fosse necessário acabar com alguém, ele não pestanejava.
Fez inimigos às pencas. Seu lema era: para pôr fim em um corrupto, era
necessário acabar com ele. De temas como este, ele construiu na sua vida
pública. Mas dando belos exemplos de honestidade. Tanto que vive hoje da renda
de uma pequena propriedade agrícola, que lhe oferece, nos seus melhores anos,
uma minguada safra de 200 sacos de café, que complementa uma aposentadoria de
apenas R$ 500,00.
Mora em uma antiga
casa no centro de Muqui, herança de sua esposa, na companhia de um cozinheiro e
um acompanhante, que o vigia como um cão de guarda. Doutor Dirceu é pai de
quatro filhas, mas todas elas moram fora do Estado. Raramente o visitam. Liana,
professora universitária, residente no Rio de Janeiro, costuma aparecer mais.
Quando ela chega, ele vive doces momentos de carinho: paizinho pra cá, paizinho
pra lá. A velha carranca se desmancha diariamente das manifestações de afeto da
filha.
Mas a maior parte
do tempo ele está sozinho, agarrado a uma leitura no porão de casa, onde conta
com uma velha biblioteca e uma centenária cadeira (foto acima), que faz parte
do rol da suas preferências na casa. Mas todos os dias, pela manhã, com uma
pontualidade britânica, sai de casa para ir à agência do Banco do Brasil (foto
abaixo) conferir sua conta. Veste-se com o mesmo apuro de quando se dirigia ao
Congresso Nacional. Coloca um velho terno lindo. Única mudança no traje está no
chapéu, que foi obrigado a usar para proteger uma vista deficiente.
À tardinha, ele dá
uma volta inteira no quarteirão de sua casa. Aos domingos, ele veste o melhor
traje, munido de um buquê de flores, visita o túmulo da sua mulher. A visita ao
cemitério ocorre invariavelmente muito cedo. Costuma sair de casa às 5h30 da
manhã. No mês passado, protagonizou, por causa da sua pontualidade, uma cena de
alto risco: não tendo achado a chave do cadeado do portão, resolveu pular o
muro. A sorte e que os vizinhos viram e socorreram.
Mas há quem diga
em Muqui, com alguma ironia política, é claro, que o Doutor Dirceu vai de
madrugada ao cemitério para não ver a sepultura de seu principal inimigo
político, que, por obra do destino, foi enterrado próximo à sepultura de sua
mulher. A mágoa com o defunto vizinho é realmente grande, pois, como prefeito
da cidade, ele mandou derrubar os pavilhões que formavam o conjunto do colégio
fundado por Doutor Dirceu. Foi, inclusive, em seu tempo, anos 40 e 50, o maior
educandário do sul do Rio de Janeiro e de todo o Espírito Santo. O colégio
chegou a ter 374 alunos internos.
Arrependimento:
ter trocado a vida de professor pela de política. Feitos que notabilizaram sua
carreira política, lembrados na hora da entrevista pelo repórter, não foram,
sequer, capazes de livrá-lo da angústia da renúncia do educador. E olha que na
política ele contabiliza feitos memoráveis. Em certo momento, parou o Senado
sozinho, impedindo que fossem votados inúmeros empréstimos externos. Foi uma luta
titânica, ainda por cima temerária, pois foi feito em pleno regime militar.
Doutor Dirceu foi senador da oposição pelo PMDB.
Ao lembrar essa
sua vitoriosa luta no Senado, o repórter mexeu com sua memória e ele foi buscar
outras imagens guardadas de sua trajetória política. Entre elas a de ter
conseguido com o presidente Juscelino Kubistchek a Universidade Federal do
Espírito Santo. Foi o último ato que o presidente assinou. ‘’ Briguei até o fim
para conseguir que o Espírito Santo também tivesse sua universidade pública’’,
recorda.
Ele também foi um
grande orador. É celebre seu discurso, no salão nobre da Assembleia
Legislativa, na cerimônia de despedida de um colega deputado morto. Diante de
uma plateia silenciosa e de uma família entristecida, ele finalizou sua fala
dizendo: ‘’E a política é assim, minha senhora (dirigindo-se à viúva), quando
devolve o político à família, é dentro de um caixão. Leve-o que é seu’’.
Mas hoje ele já
acha que a política não é bem mais assim. Já há muita gente tirando proveito
dela. A honestidade, que marcou a sua conduta, não é mais tão primordial para
os políticos de hoje. Provavelmente o barro que fez Dirceu Cardoso não é
encontrado mais, escreveria, com certeza, um bom biógrafo. A grandeza do Doutor
Dirceu está em transcender o papel do político honesto. Ele foi, sobretudo, um
político que se lançou numa luta sem trégua pela moralidade pública, como o
festejou, em recente encontro (aliás, um dos raros políticos que ainda o
visitam), o ex-deputado Roberto Valadão.
A trajetória
política do Doutor Dirceu fez com que se acumulassem muitos ódios contra ele. O
episódio do colégio é um, assim como terem matado de inanição financeira o seu
jornalismo, que, por quase 30 anos, editou, com o nome de ‘’ Município’’, numa
modestíssima gráfica. Era um seminário com o qual incomodou gregos e troianos.
Hoje os restos da antiga gráfica enferrujam no fundo do seu terreno, como uma
lembrança cruel do seu combativo período de jornalista.
O episódio do
colégio, bem como o do seu jornal, são duas lembranças terríveis. Ele fala
deles com o sentimento da mágoa. Não mais como um leão rugindo, como foi a sua
marca na carreira política. Seu único desejo, além da morte, é visitar o Senado
para repovoar a mente das lembranças que viveu lá.
Mas cadê dinheiro
para a passagem? O político que tinha tudo à disposição nunca fez uso das
facilidades e muito menos acumulou para o fim da vida. É pobre.
Mas o pobre que
vive em solidão com os seus pensamentos, sem ter praticamente com quem
conversa. Daria até para parafrasear, apesar da angustiante comparação,
“Ninguém escreve ao coronel”, de Gabriel Garcia Marquez. Não é sem razão que
ele vive a rogar a chegada logo da morte, mas observando alguns desejos seus.
Por exemplo, não quer banda de música nos seus funerais, mas uma folia de Reis
(belo folclore da região) acompanhando o caixão.
Sua expectativa
ainda para esta hora é que possa se comportar como um legítimo cavalo árabe:
que não baixa a cabeça e vai olhando para o céu.
Nota da Redação:
Doutor Dirceu Cardoso acabou morrendo no Rio de Janeiro, em 2003, mas foi
enterrado em Muqui, considerada sua terra adotiva. Morreu aos 90 anos,
portanto, dois anos após a publicação dessa reportagem, a última concedida por
ele. Após sua morte, o Plenário da Assembleia Legislativa do Espírito Santo
recebeu o nome de Dirceu Cardoso, assim como Miracema, sua cidade natal, em
2005, deu seu nome ao prédio da Câmara Municipal.
Link para biografia de Dirceu Cardoso na Câmara Municipal de Muqui