Marco Muniz
(CENÁRIO: UMA MESA E UM BALCÃO COM AVENTAL, GUARDANAPO, GARRAFA DE CACHAÇA E QUATRO COPOS DE PINGA)
(ABRE O FOCO: ATOR “A” ENTRA TRAZENDO UMA CADEIRA QUE COLOCA AO LADO DA MESA, QUE JÁ ESTÁ NO PALCO, COM UMA CESTA E UMA AGULHA DE TRICÔ. DE REPENTE ENTRA ATOR “B”, ELA LEVANTA A CABEÇA E AO VÊ-LO LEVA UM SUSTO, DEIXANDO CAIR TODO MATERIAL DE COSTURA QUE ESTAVA NO SEU COLO. INICIA-SE O CANTO GREGORIANO (VIOLONCELO) – MEADOS DE 1850. O ATOR “B” SE AJOELHA E BEIJA A MÃO DA VELHA SENHORA):
- Manuel, meu filho, o que aconteceu?
- Sua bênção, mãe.
- Deus te abençoe, mas o que houve, você deveria estar em Mariana, no Seminário.
- Deveria, mãe, mas não agüentei mais, saí de lá.
- O quê? Você abandonou o Seminário?
- Não, mãe, na verdade eu não abandonei o Seminário, eu pedi ao Prior, o padre Clemente, que me dispensasse. Eu não tinha mais vocação.
- Mas como, Manuel, como você pode decepcionar sua mãe desse jeito?
- Perdão, mãe, mas ...
A mulher se levanta, olha em direção ao infinito:
- Cale-se. Depois de tudo que eu fiz por você e seus irmãos. Eu vim dos lados de Barbacena, larguei tudo, fiz uma viagem longa com você, meu filho, seu pai, seus irmãos, meus escravos, meu gado, cheguei nessas terras e fiquei porque achei que aqui era a terra da minha Promissão. Em todos estes anos tenho lutado, enfrentado dificuldade, índios hostis, doenças, animais selvagens, mas tenho vencido! Quando eu doei todos estes alqueires de terra que possuía, era para construir a Freguesia de Santo Antonio, e você, meu filho, Manuel, eu o havia destinado para ser o pároco da capela de Santo Antonio, construída com tanto sacrifício, carinho e dedicação ao santo ...
- Mãe, eu queria dizer ...
- Cale-se, já disse. O filho de Ermelinda Rodrigues Pereira desobedece à mãe, afronta os desígnios de Deus, desvia-se do caminho da verdadeira fé ...
- Mãe, eu preciso lhe falar, eu vim aqui para lhe falar ...
- Pois então fale ... mas seja breve.
- Mãe, eu não podia mais seguir a carreira eclesiástica, mãe, eu ... eu ... me apaixonei, mãe, eu quero me casar.
- Eu não criei você para isso! Você foi designado por mim, por indicação divina, por inspiração de Santo Antonio, o santo de minha devoção, para ser padre – o padre da família, o elemento de nossa família para ser a ligação com Deus!
- Eu estou amando, mãe, é moça de família, mora em uma fazenda de Minas, se chama Maria da Glória e quero sua permissão para casar!
- Pois não a tem! E saia da minha presença!
- Adeus, mãe!
(GARÇOM (ATOR “E”) ENTRA INICIANDO A FALA. PEGA UMA CADEIRA E A COLOCA AO LADO DA MESA E COLOCA O AVENTAL. CONCLUÍDA A FALA, POSTA-SE NO BALCÃO):
- Reza a lenda que só doze anos depois da saída da fazenda de d. Ermelinda, Manuel foi perdoado pela mãe, tendo ela consentido que ele a visitasse juntamente com sua esposa.
- Conta-se, que um dos esteios de braúna da capela fundada por d. Ermelinda brotou. Daí o nome da freguesia passou a ser Santo Antônio dos Brotos, que mais tarde tornou-se o 2º distrito de Santo Antônio de Pádua.
- 1882, Pádua emancipou-se de São Fidelis levando junto nosso Santo Antônio dos Brotos. Apesar da pujança, seu atrelamento à Pádua trazia muitos problemas.
MÓDULO
(CORONEL MARTINS (ATOR “C”) ENTRA E SENTA-SE. O GARÇON (ATOR “E”) LHE SERVE BEBIDA. CORONEL FICA A LER UMA CARTA):
- Isto é um verdadeiro despautério!!
- Boa tarde, meu caro coronel Martins, o senhor mandou me chamar.
- Oh! Dr Ferreira da Luz! Por favor! Aprochegue-se! Acomode-se! Mandei chamá-lo, sim! Queria que o senhor visse isto! Veja! Esta carta foi postada na capital da Corte há um ano e só agora chegou à nossa cidade.
(O GARÇON LHE SERVE UM COPO)
O doutor Ferreira da Luz examina a carta.
- É verdade. Pelos timbres apostos à missiva dá para identificar por onde andou. Hum! Percorreu um longo caminho: Santo Antônio das Mercês, Santo Antônio da Posse, Santo Antônio dos Pobres, Brotas, em São Paulo ... Realmente, é um problema sério essa questão do nome de nosso distrito – Santo Antonio dos Brotos – dá muita confusão!
- Pois é, doutor, eu o chamei aqui justamente por isto. Qualquer hora vai acontecer de um noivo que esteja morando fora, mandar carta marcando casamento com a noiva e quando a tal da carta chegar, a moça já casou com outro, já teve filhos, e se bobear, já está até viúva.
- É verdade, coronel, mas qual é a solução?
- Temos que mudar o nome da cidade, e o senhor que é um homem de letras, o mais sábio e erudito de toda a região, está encarregado de encontrar um nome que seja a síntese do progresso, do futuro radioso que vislumbramos para a nossa gente. Chega! Chega de Santo Antonio dos Brotos e viva ....
-Viva Miracema! Coronel desculpe a brincadeira, mas quando o senhor vem com a farinha, eu já estou com o pirão pronto. Há longo tempo venho pesquisando uma nova denominação pra nossa cidade, e, finalmente, encontrei o nome ideal: Miracema – formada por duas palavras tiradas do tupi guarani, mira e cema: mira quer dizer gente e cema, brotar, crescer. Miracema, coronel, gente que brota, que cresce, palavra síntese que encerra e ao mesmo tempo deslinda a gênese do nosso povo, do povo miracemense.
MIRACEMA
Bruno de Martino
Na clareira da mata enluarada,
Que argento riacho mais prateia,
Surge festiva a tribo coroada,
Estaca, busca lenha e o lume ateia.
A inverapeme joga abandonada,
Arcos, tacapes, flechas, tudo arria,
Troca os troféus da guerra dominado
Pelo boré que as danças encadeia.
Em copos de bambu arde o cauim
Fervem, sensuais, os ritos do festim
Depressa tudo muda, alguém sacena.
No banho inaugural do igarapé
Foi batizado o chão, diz o pajé,
Que vai chamar, por sorte: - MIRACEMA
(ATOR “E” FALA):
E Miracema prospera e recebe muitos imigrantes, notadamente italianos e libaneses, entre outros. Em 1918, depois de quatro anos de conflitos o mundo celebra a paz. No entanto, em Miracema as coisas não mudaram.
(ABRE O FOCO – DOIS HOMENS CONVERSAM (ATORES “C” e “”B”)):
- Essa situação, do jeito que está, não pode continuar! Temos que nos emancipar de Pádua!
- Meu caro, sobre isso o nosso Melquíades Cardoso vem escrevendo desde 1906 e você vê, passados mais de dez anos, até agora nada.
- Mas hoje a situação é diferente. Miracema nesses anos cresceu, desenvolveu-se, aqui está a Fábrica de Tecidos São Martino, temos cinema, os melhores e mais rentáveis cafezais da região, o Hotel Braga, majestático e imponente ali na rua Direita, o Grupo Escolar Ferreira da Luz! Nós arrecadamos mais impostos que Pádua e eles ficam sempre com a parte do leão.
- Concordo! Temos que nos emancipar! E como diz Barroso de Carvalho!
Entre serras e colinas
E verdejantes campinas
Num recanto do Brasil
Vive linda e descuidada
Como princesa encantada
Pelo condão de uma fada
Esta terra tão gentil
“Miracema, Águia Cativa que sofre o martírio dos que vivem sentindo asas nos ombros e grilhões nos punhos”.
(ATOR “C” CONTINUA EM CENA)
- É, é exatamente isso que somos
(ATOR “B” DÁ A FALA ACIMA E SAI. ATOR “E” ENTRA INICIANDO A FALA COM UM JORNAL, SENTA-SE AO LADO DO ATOR “C” E ACENA PRA ATOR “A” ENTRAR E LER A PARÁBOLA DE MÁRIO DE ANDRADE):
O ano agora é 1922. Em São Paulo acontece a Semana de Arte Moderna que provocou uma revolução nas artes, introduzindo novas formas na literatura, poesia, artes plásticas e até induzindo a novos comportamentos sociais.
(PARÁBOLA DE MÁRIO DE ANDRADE: O primeiro homem, depois da criação de Eva, plagia Deus, tirando da língua (órgão da fala) uma mulher. Essa mulher nua ficou no cimo de um monte, Adão envergonhou-se da nudez e colocou-lhe uma parra. Depois passou Caim e cobriu-a com um “velocino alvíssimo”. Depois as gerações continuaram a subterrá-la de vestes e adereços. Um dia passou um vagabundo, Rimbaud, e ao dar um chute no monte este desmoronou-se. E surgiu em todo o seu esplendor a Poesia em sua nudez. E é essa mulher “escandalosamente nua” que os poetas modernos se puseram a adorar.)
Mas em Miracema nada mudou, e a questão separatista continuava na mesma.
OUTRO MÓDULO
(ATOR “D” ENTRANDO):
- Você já soube da novidade?
- Que novidade?
- Os líderes da campanha separatista, José Carlos Moreira, José Giudice e Barroso de Carvalho pleitearam do presidente do Estado do Rio de Janeiro, Dr. Raul Moraes da Veiga, a emancipação político-administrativa de Miracema. O pedido foi negado.
(APÓS A FALA ABAIXO ATOR “C” SAI)
- Absurdo!!!
- Não sei mais o que fazer para provar a eles que nós já temos condições suficientes para sermos uma cidade independente. Que precisamos da separação de Pádua para progredirmos.
OUTRO MÓDULO - CONVERSA DE DOIS CAIPIRAS (ATOR “C” ENTRA)
- (BÊBADO)
- Mas que ajuntamento maior de gente é esse, em direção da rua Direita?
- Sei lá!
(ATOR “D” DÁ ESSA FALA E SAI. ATOR “E” SAI TAMBÉM – ATOR “C” ENTRA EM CENA PRA FAZER O DIÁLOGO COM ATOR “B”)
- Ei, que ajuntamento maior e esse aí na rua Direita?
- Cê num sabe não? Diz que um índio puris da tribo dos coroados qui tá há mais de cem anos refugiado nas matas do alto da serra das Flores vai descer hoje pra anunciar uma tal de profecia sobre Miracema.
- Mais de cem anos nas matas? Já não bastam os fantasmas que andam aí pelas ruas nas noites de lua e que vem do antigo cemitério que ficava por trás da Capela Velha, ainda me inventam um índio com mais de cem anos? Tá louco, sô, nunca vi tanta assombração ajuntada! Isso é cachaça demais que esse povo toma! Eu lá é que não vou!
- Pois eu tomo minhas pingas por aí e não tenho medo nenhum de assombração! Eu vou lá!
- E a que horas vai ser isso?
- Tão dizendo que o índio velho vai aparecer na hora entre o pico do sol e o verão das andorinhas.
- Tudo doido ... Aqui dá de tudo mesmo ... Valha-me Santo Antonio, t’esconjuro, afasta demônio ... Ê cagira mia pai!!! Ê cagira !!! Saravá Ogum e Oxalá !!! (aqui ele baixa um santo)
(ATORES “C” e “B” FAZEM UMA CENA EM QUEATOR ”B” ACABA INCORPORANDO UM ÍNDIO):
“Eu vejo, Miracema, eu vejo:
Daqui quatorze floradas de jambeiro vai ser cidade nova.
Tem rio de água clara pra banhar e dar de beber a quem aqui está e quem vai chegar. Tem peixe, tem terra boa pra plantar e alimentar seus curumins.
Teu rio é tua vida. Tem que cuidar dele como filho e manter águas claras pra quem ainda vai chegar.
Assim quer Tupã!
Se rio morre, cidade fica fraca, morre também RIO, vida da Princesinha do Norte.
(ALGUÉM DA PLATEIA DÁ A POESIA ABAIXO):
ESQUECIMENTO
Tia Ricarda
Nosso pequeno fio d’água andante construía
O seu manto com as pequeninas flores do IPÊ.
Na ponte as crianças jogavam barquinhos de papel
Para carregar as saudades que dormiam em seu leito.
Você, riacho, não nasceu sujo, feio, negro e poluído.
Você nasceu lindo, cristalino para correr o mundo
Levando em suas corridas o gosto, o cheiro de nossa terra
Misturada com as gargalhadas livres dos meninos
Que se perdiam no pula-pula das suas brincadeiras.
Hoje sua imagem é outra, é vestida de morte, triste.
Sua túnica não é mais de flores, céu, mas parada
Tecida com o material oferecido pelos mesmos meninos
Que cresceram em todos os sentidos, mas se esqueceram
De lutar para que você continuasse lindo, cristalino!
(ATOR “C” ENTRA EM CENA)
O Partido Separatista recebe importantíssima adesão: Cap. Antônio Ventura Coimbra Lopez, grande produtor de café lá das bandas de Paraíso do Tobias. Proprietário da fazenda Santa Inês. A adesão de Ventura Lopez torna-se importante devido ao fato dele ser um grande representante do meio rural, pois, até então, a campanha separatista não encontrava eco nesse setor, o mais populoso do distrito.
(ATOR “E” ENTRA E SERVE CACHAÇA PRA ATOR “C” - ATOR “D” ENTRA):
MÓDULO
- Meu caro coronel Leitão, aqui está a lista que elaborei com o nome das pessoas mais gradas e de maiores posses que podem colaborar na nossa campanha de emancipação. Esse nosso movimento precisa também contar com recursos financeiros, para deslocamento de pessoas até a capital, elaboração e impressão de folhetos de propaganda, etc, e esses que aí estão constando, além de separatistas, têm condições de participar com dinheiro.
- Hum!!! Deixe-me cá ver essa lista! Esse povo aqui da região, na hora de coçar os bolsos ... sei não ... não é a-toa que a gente daqui não gosta de jogar peteca!
- Mas todo mundo tem que colaborar!
(O CORONEL LEITÃO CONTINUA EXAMINANDO A LISTA COM AR LEVEMENTE DIVERTIDO, DE REPENTE CAI NA GARGALHADA):
- Esse aqui pode retirar da lista!
- Quem?
-Dr. Pelópidas!
- ??????
- É mais fácil nascer cabelo na palma da minha mão do que o senhor arrancar um tostão dele. É o maior pão-duro de Miracema. Nem na rua anda para não gastar sola de sapato. Aproveita que mora na casa em frente à igreja para assistir à missa de binóculo, e quando o coroinha vem passando a bolsinha para recolher contribuição, ele abaixa o binóculo, com medo de ser cobrado.
- Ah! Meu Deus! Assim a gente não emancipa nunca!
- Esses três outros coronéis que o senhor meteu aqui, também pode tirar.
- Quais?
- Isaías Silva, Bento Coelho e Onofre Gadelha. Todos três são contra a emancipação.São daquele grupo de fazendeiros que acha que a criação do município de Miracema vai implicar em mais impostos a serem pagos justamente por eles, os principais produtores do município. São muito conservadores. Não participarão de jeito nenhum do movimento.
- Eu sei de tudo isto, mas sei também como fazê-los colaborar.
- Como assim?
- Todos três têm teúda e manteúda aqui na cidade, naquela rua famosa, discreta, que as famílias daqui não freqüentam e que o senhor, aliás, talmbém conhece muito bem, não é coronel?
(O CORONEL LEITÃO PIGARREIA, EMBARAÇADO):
- Éh! Eh! Eh! ...
- Vou dizer pra eles que a oposição pode ficar sabendo do arranjo deles... que esse assunto pode cair na boca das beatas ... que, aqui, às vezes, vale mais a pena comprar o silêncio ... não é coronel ...,tudo, é claro, por uma causa justa e sempre em defesa da moral e dos bons costumes? (piscando o olho)
(CORONEL LEITÃO MAIS UMA VEZ EMBARAÇADO):
- Claro, claro, nesse caso, inclusive, acho até que se deve cobrar deles contribuição em dobro, em relação aos demais
- E o senhor, coronel?
- Bem .... Bem .... Eu ... que sempre fui uma pessoa muito desprendida, ... o senhor sabe ..., posso pagar o que esses três aí vão pagar ... tudo considerando a justeza da causa !!!
- Muito bem, coronel, vou falar ao Capitão Ventura Lopes, que está liderando a nossa causa, sobre a sua inestimável colaboração.
- E você ... seu comerciante das arábias. Pode contribuir com aquele excedente que você recebeu do arreio que você vendeu pra um freguês e não se lembrou qual foi, e anotou o preço do arreio pra todos seus fregueses. To sabendo que bem poucos reclamaram!
- Sim ... sim ... Por acaso alguém disse que eu não iria contribuir?
(ATOR “C” SAI DE CENA)
(AGITAÇÃO DE GENTE – ATOR “B” ENTRA EM CENA)
PROCLAMAÇÃO
Ao povo miracemense:
É chegada a nossa hora.
Não podemos mais tolerar que a nossa cidade, a mais progressista, a mais desenvolvida de toda a região Norte do Estado ainda continue, neste ano de 1933, submetida aos desígnios daqueles que aqui não habitam, aqui não nasceram, e não têm a menor sensibilidade para os verdadeiros problemas que nos assoberbam. Somamos, hoje, 30.000 habitantes, com mais de 1300 casas e 52 logradouros. Temos, matriculados em nosso Grupo Escolar, mais de 800 alunos, possuímos uma Escola Normal, luz elétrica em toda a cidade, rede telefônica, indústrias, agricultura próspera e pujante, e a renda da cidade supera os cento e vinte e contos de réis, o que a coloca como o distrito mais importante de todo o município.
Por tudo isto, cabe a pergunta que não consegue calar: por que continuarmos dependentes?
É o momento de tomarmos o destino em nossas próprias mãos!
Unamo-nos em torno da nossa emancipação!
Este distrito não será mais escravo de ninguém!
Todos ao comício!
Lutemos pela nossa liberdade!
Viva a emancipação!
MÓDULO
(ATOR “C” ENTRA E SENTA NO BAR COM UM JORNAL – ATOR “E” ENTRA COM OUTRO JORNAL NA MÃO):
- Veja aqui, meu caro, a opinião que o pessoal da sede do município tem sobre a nossa causa da emancipação. Leia esse artigo que saiu no Jornal de Pádua.
- Hum! Deixa-me ver! (lendo) “Sendo pela separação de Miracema não poderíamos de modo algum acoroçoar o desmembramento do Município. Que Miracema se separe sozinha, nada mais natural; mas pretenderem os miracemenses, que se consideram únicos capazes de manejar a máquina administrativa pela pujança de suas eneergias, pretenderem, dizemos, o esfacelamento do Município, é que não podemos de modo algum aplaudir. Essas nossas ponderações devem esclarecer plenamente o nosso modo de ver o problema separatista. Não pode haver duas interpretações: Somos pela separação de Miracema sem o desmembramento do Município”.
- (CAIPIRA FALANDO): - Hum!!! Num entendi nada!!!
(ENTRA ATOR “B” – CONVERSA ENTRE DOIS HOMENS):
- Você sabe da última novidade?
- Você não sabe da maior ...
- Chegou de Niterói uma força policial do Estado pra manter a ordem aqui no distrito por causa da convenção do Partido Separatista.
- Isso só pode ser coisa do pessoal da oposição, esses themistoclistas e padilhistas que não tem o que fazer, e vão lá pra capital fazer futrica do povo daqui. Ora se há necessidade de uma força. Nunca se viu um povo mais ordeiro que o nosso.
- É! Eles têm medo da emancipação porque acham que vai haver aumento de imposto e eles vão ter que pagar mais!
- Ora vejam só, como se eles alguma vez tivessem pago algum imposto pro governo! Só querem é saber de mamar nas tetas da viúva !!!
- Ai, meu Deus!!! Que viúva!!!
(ATOR “A” ENTRA EM CENA ENTREGANDO A PROCLAMAÇÃO DO DELEGADO DO ESTADO):
- Presta atenção, sô!!! Que eu tô é falando do Governo!!!
- Boa tarde cavalheiros!
(ATOR “A” ENTREGANDO A PROCLAMAÇÃO):
- Iiiih! Olha só a proclamação do Delegado?
PROCLAMAÇÃO
Enviado que fui pelo Exmo. Sr. Governador do Estado do Rio de Janeiro, comandante Ary Parreiras, à frente da força militar ora desembarcada nesta cidade, conclamo a todos os cidadãos no sentido de manterem a ordem pública e conterem a exaltação de ânimos com vistas à Convenção que se realizará no dia de amanhã, sob pena de enquadramento dos brigões nos ditames da lei vigente
Miracema, 21 de abril de 1934
Dr. Getulio Azeredo
Delegado
(QUATRO PESSOAS REUNIDAS EM TORNO DE UMA MESA – ATOR “E” TIRA O AVENTAL E INCORPORA OUTRO PERSONAGEM - HÁ UM SILÊNCIO CONSTRANGIDO ENTRE OS PARTICIPANTES DA MESA – ENTREOLHAM-SE POR UM INSTANTE):
- Hummmm! As coisas mudaram
- É verdade. A chegada da força militar poderá intimidar os que estão lutando pela nossa causa.
- Proponho assumirmos a responsabilidade pelos boletins que foram espalhados por toda região.
- De pleno acordo. Vamos redigir uma proclamação.
(OS QUATRO SAEM DE CENA E ANGÉLICA ENTRA LENDO A PROCLAMAÇÃO E ATOR “E” ENTRA DEPOIS LENDO A CONTINUIDADE DA PROCLAMAÇÃO E ATOR “D” E ATOR “B” ENTRAM TAMBÉM LENDO A CONTINUIDDE DA PROCLAMAÇÃO):
PROCLAMAÇÃO
Aos miracemenses;
Os abaixo-assinados, para fins de garantia da ordem pública, com a grande convenção miracemense de amanhã, declaram-se solenemente responsáveis pelos boletins saídos ontem e por todas as ocorrências que por dele ventura resultarem. Ficam assim isentos de responsabilidade os demais signatários dos citados Boletins.
Miracema, 21 de abril de 1934
Ass.: Melquíades Cardoso, Dirceu Cardoso, José Negle e Bruno de Martino
(DOIS CAIPIRAS):
- Você viu que atitude corajosa, desassombrada, dos quatro signatários do Manifesto se responsabilizando pelo que puder ocorrer?
- Eu não só vi, como li o Manifesto. São quatro batutas de escol, iguaizinhos àqueles Quatro do filme em cartaz no Cine 15 de Novembro. São Quatro Diabos.
-Isso mesmo, os Quatro Diabos de Miracema!
- Viva os Quatro Diabos de Miracema! Viva a Emancipação! (CORO)
(BRINCAR COM OS FATOS DE FORMA RÁPIDA E ENGRAÇADA)
(ATOR “E” ENTRA E LIGA O RÁDIO – ATOR “D” DA COXIA FAZ A VOZ DO RÁDIO COM AS PALAVRAS DO DELEGADO ENVIADO PELO GOVERNO DO ESTADO, DR. GETULIO AZEREDO):
Prezados senhores componentes da Mesa desta Egrégia Comissão,
Minhas Senhoras, Meus Senhores:
Na qualidade de delegado e chefe do grupo policial enviado pelo Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, quero tornar público o meu preito de apoio à causa da emancipação deste progressista distrito, tendo em vista não só o entusiasmo como o assunto é tratado por toda a sua população, pois sou testemunha ocular do envolvimento do povo nesta questão, como também pelos números apresentados, no que dizem respeito ao desenvolvimento de Miracema. Neste sentido, congratulo-me com V.Sas. pela nomeação da Comissão com vistas a manter audiência com o Exmo. Sr. Governador do Estado, comandante Ary Parreira. Finalmente, gostaria de registrar a minha admiração e o meu respeito da forma ordeira como o povo deste distrito se comportou neste dia que há de marcar para o futuro de sua história.
Enfim, Ary Parreiras, Governador do Estado do Rio de Janeiro, autoriza a realização de plebiscito para a separação de Miracema de Pádua:
MÓDULO
(ATOR “C” ENTRA EM CENA SENTADO NA MESA DE CAFÉ):
- Zé Amaro!
- Pois não, coroné!
- Veja bem, daqui a uma semana vai-se realizar aqui e nas vilas vizinhas o plebiscito para decidir a emancipação de nossa Miracema do município de Pádua.
- Plebis o quê?
- Ple-bis-ci-to. Cada um vai poder votar pela emancipação ou não de Miracema. O governador do estado, Comandante Ary Parreiras autorizou.
-Verdade, coroné.
-Pois bem, eu quero que você reúna uns trinta bate-paus, homens de toda confiança, pra correr a região no dia da votação.
- Xá comigo, coroné!
- Esse pessoalzinho da lavoura que não tá querendo a emancipação vai ter que se enquadrar bonitinho, senão ....
-Xá comigo, Coroné (Há!há!há!)
E finalmente, no ano de 1935:
MÓDULO
(DISTRIBUIÇÃO DE PAPEL COM O TEXTO DO DECRETO E DO O HINO NO VERSO):
JORNALEIRO: EXTRA! EXTRA! EXTRA!
APROVADA POR MAIORIA ESMAGADORA A EMANCIPAÇÃO DE MIRACEMA.
DECRETO 3401 DE 07 DE NOVEMBRO DE 1935, ASSINADO PELO GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ARY PARREIRAS:
Dispõe sobre a criação do município de Miracema com a composição de dois distritos: 1o. Distrito (sede) – Miracema; e 2o. Distrito – Paraíso do Tobias.
(ENTRA A BANDA – alguns membros - TOCANDO O HINO DE MIRACEMA E PUXANDO O PÚBLICO PARA CANTAR JUNTO, FECHANDO O EVENTO):
De Miracema cidade.