quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Código Florestal: homens x natureza
As fronteiras dos rios e das águas quase sempre coincidem com as nossas. Mas quase não é sempre. Nós “humanos da pós-modernidade” temos sido pouco atentos a isso. Mudaremos então o Código Florestal para impor nossa ocupação dita consolidada, ignorando com tecnicidades de uma regra ambiental artificial as leis da natureza que regem o ciclo das águas e a força dos rios?

O deputado Aldo Rebelo insiste em afirmar que não, mas são evidentes as conexões entre as propostas contidas em seu relatório ao Projeto de Lei (PL) nº 1876/99, em trâmite na Câmara dos Deputados, que modifica o Código Florestal, e as ocupações de risco afetadas por desastres como os ocorridos no Rio de Janeiro no inicio do ano. Vejamos.

A aludida proposta reduz a extensão da área de preservação permanente (APP) de beira de cursos d’água, de 30 para 15 metros, nos rios com até cinco metros de largura. Isso obviamente dá um sinal trocado aos potenciais ocupantes de plantão. Se meu vizinho ocupou e regularizou, por que eu não posso?

O PL modifica o parâmetro de medida da APP de curso d’água. Pela lei em vigor, o cálculo de extensão de APP de beira de rios é feito a partir do nível mais alto do curso d’água. O PL nº 1876/99, por sua vez, dispõe que a APP passa a ser medida a partir da “borda do leito menor”. Na prática, trata-se da redução efetiva da dimensão da área de preservação de curso d’água em todo o país (áreas rurais e urbanas). Beneficiará a consolidação de ocupações existentes e incentivará ocupações mais próximas ao leito dos rios.

O PL 1876/99 amplia a lista de ocupações consideradas de interesse social passíveis de regularização em APP. Inclui entre elas a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais. Cada exceção a mais aceita pelo legislador à regra da preservação das APPs, que, não por acaso, coincidem com muitas das áreas de risco afetadas por chuvas, enchentes e trombas d’água, é mais um fator de aumento de risco e de preocupação com os eventos climáticos extremos, a cada ano mais frequentes.

O projeto permite ainda que o presidente da República, por decreto, sem discussão pública ou fundamentação técnico-científica, amplie o rol de atividades de utilidade pública e interesse social passíveis de se consolidar em APP.

O impacto de uma lei na vida das pessoas e no ambiente não pode ser examinado apenas pela letra fria da norma, mas fundamentalmente pelo que induz em termos de dinâmica social e cultural. Embora a omissão histórica do poder público tenha praticamente anulado os efeitos do Código Florestal, hoje ele vem sendo objeto de cobrança cotidiana, principalmente pelo Ministério Público, como desdobramento da conscientização crescente da população.

O Código é um instrumento de inibição da expansão urbana em benefício dos serviços socioambientais prestados por essas áreas às cidades e seus moradores. É instrumento a ser considerado na elaboração e revisão dos planos diretores e leis de ocupação do solo, conforme determina o próprio Estatuto das Cidades.

A especulação imobiliária crescente, a necessidade das prefeituras de ampliar a arrecadação de IPTU e a pressão natural derivada da falta de políticas habitacionais que atendam à crescente demanda das populações de média e baixa rendas têm exercido papel não desprezível na conversão de áreas rurais ditas consolidadas em áreas urbanas a consolidar.

A regularização dos desmatamentos em APP rural, prevista no PL, pode sinalizar para revisões em planos diretores e leis municipais de ocupação do solo em todo o país e estimular o parcelamento de áreas rurais consolidadas situadas nos limites urbanos, já que a recuperação das APPs e das reservas legais deixará de ser exigida.

O que a lei florestal objetiva com as APPs é, além dos fluxos de biodiversidade, manter as condições de estabilidade do solo e a integridade dos recursos hídricos, bens ambientais essenciais à sadia qualidade de vida humana de que trata a Constituição Federal em seu artigo 225. Ainda assim, como se viu na tragédia do Rio de Janeiro, mesmo com a manutenção da vegetação nativa, a estabilidade e a integridade do solo e das águas não estão 100% garantidas. Os fatos indicam que a proposta de consolidação de ocupações em APP (topo de morro, declividade e margem de rios), nos moldes propugnados pelo projeto de lei aqui comentado é, no mínimo, muito preocupante.

Correio Brasiliense – André Lima (advogado e mestre em políticas públicas e gestão ambiental pela Universidade de Brasília).

6 comentários:

Luiz Carlos Martins Pinheiro disse...

Amigo Hélcio

O problema está na tentativa humana de querer impor uma lei matemática á natureza.

A história comprova de sobra que o máximo que se consegue é alguma validade estratégica, mas não muito próximo de 100%.

De onde surge a convicção que tenha que ser 30 m e não 50 m ou 15 m etc.

Há que se considerar custos x benefícios e a experiência disponível.

Outrossim que não temos um Brasil só mas város e bem diferentes.

Em certas regiões predominam pequenas propriedades e com relevo acidentado, portanto muito diferente do que em outras, como a amazônica, por exemplo.

A tentativa de regras únicas leva a inviabilização das atvidades rurais em certas regiões.

Por outro lado a proteção do meio ambiente é de interesse geral, não havendo porque o proprietário a ela obrigado tenha que arcar exclusivamente com os custos para isto.

Abraços, saúde e Paz de Cristo.
Luiz Carlos/MPmemória.

Hélcio Granato Menezes disse...

Luiz Carlos,

Quanto maior a área de mata ciliar melhor para preservar as margens dos rios contra assoreamentos, etc.

Certamente que 30 m preservam melhor que 15. As leis são para isso: impor limites.

Abraços,
Helcio

Luiz Carlos Martins Pinheiro disse...

Amigo Hèlcio

Este é um argumento inaceitável.

Tudo na vida depende de viabilidade.

Não se pode ser assim simplista, quando se está jogando com milhões de pequenas propriedades e consequentemente de milhões de pessoas que delas vivem.

Têm inclusive uma importante participação no pão nosso de cada dia, prncipamente de hortigranjeiros, leite, láteos etc.

Abraços, saúde e Paz de Cristo.
Luiz Carlos/MPmemória.

Hélcio Granato Menezes disse...

Luiz Carlos,

Este seu argumento é o mesmo que permitiu construções em lugares ilegais, como muitos da tragédia da região Serrana do Rio. Isto sim é visão simplista, aliás fechar a visão para não ter que fazer cumprir a lei e perder votos.

Abraços,
Helcio

Luiz Carlos Martins Pinheiro disse...

Amigo Hélcio

Sabendo o que temos dito a respeito quanto à ocupação do solo não entedendemos como nos queira atribuir tamanha barbaridade.

Pedimos desculpas se nossos pontos-de-vistas o estã aborecendo.

Ficamos por aqui.

Prezamos muito mais a nossa amizade do que assuntos políticos.

Abraços, saúde e Paz de Cristo.
Luiz Carlos/MPmemória.

Hélcio Granato Menezes disse...

Luiz Carlos,

Em absoluto, não estou aborrecido. Democracia é isto, debate saudável onde um respeita a opinião do outro e sem ofensas. Desculpa peço eu, se caso o amigo se ofendeu.

Abraços,
Helcio