segunda-feira, 18 de abril de 2011

Lições de antropologia

Autor(es): José Roberto de Tolledo - O Estado de S. Paulo - 18/04/2011

Assim como toda a humanidade é afrodescendente, toda linguagem emana da África, revelam agora os cientistas. Os homens e suas línguas são todos primos, em diferentes graus de parentesco, evoluindo rumo à incompreensão mútua. Mas há exceções.

Veja o caso do politicus brasiliensis. Concentrado em um nicho do Planalto Central, esse grupamento se comunica em português, embora nem todos os seus integrantes se façam entender. Alguns produzem dialetos: o "povão" de Lula não é o mesmo "povão" de Fernando Henrique.

Há muitas outras expressões que têm significados distintos para cada subgrupo. O que eles chamam de "reforma política" tem implicações completamente diferentes para a taba dos tucanos em comparação às dos petistas, dos peemedebistas e dos partidos pigmeus.

Ao antropólogo amador convém lembrar sempre que, embora possa parecer que estejam todos debatendo o bem da aldeia, cada lado defende estritamente os interesses de sua oca. A preferência por um ou outro sistema eleitoral, por exemplo, varia em função das chances de eleger maior número de representantes para o conselho tribal.

Se o jeito "cada um por si e ninguém por todos" melhora as probabilidades do PMDB, é com esse que ele vai. Se o voto em lista aumenta o poder da caciquia partidária sobre a indiada, é esse o modelo a ser defendido pelo PT.

O que pode parecer cinismo em outras plagas é puro pragmatismo para o politicus brasiliensis: não há sistema intrinsecamente melhor ou pior; há os mais e os menos convenientes.

Um observador distraído poderia perguntar: uma reforma não serve para consertar os erros, a começar dos mais graves? Esse tipo de ingenuidade não existe na linguagem brasiliense.

O voto de um índio de despovoada área ao norte conta 11 vezes mais do que o de um sujeito da mesma etnia que mora mais ao sul, mas isso não é importante para os caciques. Corrigir distorções de representação dá trabalho e seu lucro é duvidoso. Preferem apagar do dicionário.

Quase tão complicado é diminuir o número de partidos custeados por "o seu, o nosso" (maneira como entendem o conceito de "dinheiro"). Nessa discussão, os pigmeus se agigantam. Barram qualquer tipo de barreira à sua existência. Mas nada fazem além de repetir os primos maiores ao defenderem sua oca em detrimento da aldeia.

Tal qual um bonobo africano, o politicus brasiliensis tende a ter muitos e diversos parceiros. Daí ser quase impossível cobrar-lhe fidelidade partidária. Importam, pois, prática de outras culturas. A promiscuidade é proibida ao longo do ano, com exceção de um breve período quando ninguém é de ninguém. É o carnaval partidário, chamado lá de "janela".

Ideologia é conceito ultrapassado entre eles. Preferem testar as fronteiras da física e da filosofia, fundando partidos que não estão "nem no centro, nem na direita nem na esquerda".

Abandonar sua oca e erguer a própria taba é um costume frequente do politicus brasiliensis. Mais do que um simples ritual de passagem, é uma tentativa de formar sua própria dinastia. Se há, digamos, Maias e Magalhães lotando o cacicado de um partido, cria-se outro para abrigar Kassabs e Afifs.

Para alguns pesquisadores, a prática de mudar o nome da taba de tempo em tempo e produzir defecções contínuas pode levar à extinção. Ainda não há evidências empíricas suficientes para provar a tese, mas a tenda que já foi Arena, PDS, PFL e agora DEM está cada vez menor.

Mesmo reduzido, o grupamento politicus brasiliensis é diversificado. Há representantes de ambos os gêneros, de múltiplos credos, de heterossexuais, de homossexuais, e, dizem algumas correntes antropológicas, até dos Neandertais.

Seu objetivo é eternizar-se no poder. Alguns exemplares acreditam que cultivar o bigode e tingir o cabelo ajuda. Outros preferem implantes capilares. Mas nada bate seu sistema de troca de favores, chamado toma lá dá cá. "Nunca se sabe quando será preciso contar com o voto de um colega para arquivar uma falta de decoro", dizem.

Apesar das diferenças, o grupo sempre acaba se entendendo. Você pode até não compreender, mas eles falam a mesma língua.

Um comentário:

Luiz Carlos Martins Pinheiro disse...

Amigo Hélcio

A questão é como sair disto?

Não podemos perder de vista o fundamento básico de que o governo é nosso e é exercido em nosso nome.

Portanto, o que não contribuir para isto, prejudique a quem for, deve ser descartado.

O presidecialismo que conhecemos está muito fora disto. Na prática brasileira se revelou como um reinado absoluto, sem rei e sem coroa.

O parlamentarismo é o que mais se aproxima disto, pois o eleitor tanto pode manter seus representates no poder, como dele sacar, sem nenhuma garatia de estabibilidade.

Mas quem que está com o poder ou na esperança de o conquistar, quer abrir mão de reinar, sem ser real?

Outro ponto é que tem que se respeitar a vontade da maioria dos eleitores sejam eles quais forem. E isto não se conseque a não ser com o voto direto nos candidatos. O sitema que melhor permite isto é o distrital puro. Mas muitos dos eleitos sabem que assim não serão eleitos. Outrossim, o caciquismo perderá muita força. As campanhas serão muito mais baratas e poderão ser mais curtas. O eleitor saberá de quem realmente cobrar. Terá muito maior força.

O eleitor deve ter a liberdade de querer ou não votar, inclusive, de não de dar um voto válido que não favoreça ninguém.

Há que se acabar com os biônicos coisa das monarquias e ditaduras, mas nada democrática. Senador tem sido eleito com evidente propósito de deixar o cargo a um protegido, seu até filho. Não se querendo voltar à época que o suplente de Senador tinha que se elejer como tal, pode-se adotar que um cadidato mais votado e não diplomado exerça a suplência só por curto prazo, caso contrário se faça eleição ao substituto. Mas biônico não. Porque não reduzir a dois por estado?

Não há cabimento se candidatar ao legislativo e ir para o excutivo sem a perda do mandato.

Há que se rever a necessidade de tantos parlamentares e de sua distruição por estados. Da maneira que está os grandes eleitorados têm muito menos poder do que os pequenos, cada dia mais numerosos. Que democracia é esta que um voto em SP, RJ etc vale muito menos do que no AC, AL, SE etc?

Bem muito mais se tem que considerar, mas ficamos por aqui.

Abraços, saúde e Paz de Cristo.
Luiz Carlos/MPmemória.