Conservador antiburguês
Autor(es): Paulo Totti De São Paulo
Valor Econômico - 20/04/2011
A fotógrafa Ana Paula Paiva circula em torno da mesa e, clique, clique, faz o seu trabalho. Cláudio Lembo interrompe o que dizia, olha fixo para o repórter e sua voz agora é quase um sussurro:
Lembo: Essa gente do SNI continua filmando tudo, fotografando, gravando...
Ana Paula: Vou fotografá-lo muito.
Lembo: Sente-se e coma conosco, isso sim.
Durante a ditadura, Lembo não era um subversivo, nem mesmo militava no MDB, a oposição consentida, mas cuja atuação tinha de ser permanentemente "monitorada". Lembo estava na Arena, o partido do governo, e chegou a presidi-lo regionalmente por influência de seu amigo e líder, Olavo Egydio Setubal, prefeito de São Paulo de 1975 a 1979. Nos desvãos do regime, funcionavam, porém, serviços de arapongagem, tão numerosos quanto as facções em que a Arena se dividia. Tomavam posição nessas disputas e vigiavam-se uns aos outros. É isso que Lembo recorda neste "À Mesa com o Valor", no Ici Bistrô, restaurante de tendência francesa do bairro de Higienópolis.
"Fui sete anos presidente da Arena em São Paulo e não me arrependo. Éramos o grupo mais arejado da Arena. Queríamos mais pressa na transição para a democracia."
Tempos difíceis aqueles: assassinato do jornalista Vladimir Herzog e do metalúrgico Manuel Fiel Filho, demissão do general Ednardo D"Ávila Melo do comando do Segundo Exército, demissão do general Silvio Frota do Ministério do Exército, bomba que mata um sargento e explode no colo de um capitão antes que ambos cometessem um atentado no Riocentro, auge da guerra declarada entre as linhas "dura" e "branda" da ditadura. Lembo, alinhado com o governador Paulo Egydio Martins, participava do grupo que queria fazer do banqueiro Olavo Setubal o próximo governador. Mas do Planalto veio a ordem de consagrar o nome do ex-governador Laudo Natel. A eleição não era direta. A Assembleia Legislativa, travestida de colégio eleitoral, homologaria o indicado pela convenção da Arena (no país todo, se a Arena não tivesse maioria na Assembleia, cassavam-se deputados do MDB até a minoria virar maioria).
Em São Paulo, a obediência às ordens de Brasília era dada como certa, nem precisava articular-se com os convencionais. E aí a espionagem não funcionou. Silenciosamente, Paulo Maluf correu por fora, trabalhou as bases da Arena e no dia da convenção ele é que tinha a maioria. Ganhou de Natel por 26 votos e governou São Paulo de 15 de março de 1979 a 14 de maio de 1982.
Nessa época, Lembo cultivava sobrancelhas exageradamente grossas e negras, para alegria dos caricaturistas e humoristas. Um deles disse que Lembo era a única pessoa no mundo a ostentar os bigodes acima do nariz. Hoje, aos 76 anos e meio, as sobrancelhas encaneceram, já não são tão destacáveis.
O que não muda em Lembo é a memória, prodigiosa, e o tom sincero e cru, mas elegante e irônico, com que comenta a atualidade política.
- O que achou do artigo do ex-presidente Fernando Henrique?
- Há momentos em que o silêncio é um bem precioso.
- Só isso? Esse é o seu comentário?
- Em verdade não sei o que ele pretende. Falou como sociólogo? Mas ele é presidente de honra do PSDB e, quando fala, fala como político. Um partido que quer voltar ao poder não pode desconsiderar os milhões que votaram em Dilma, discriminar as classes sociais. "Massas carentes e pouco informadas", "povão"!... Isso é preconceito.
O Ici é um restaurante familiar a Cláudio Lembo. Visita-o com frequência e quando vai com a mulher, dona Renéa, o filho, José Antônio, e os quatro netos, a neta mais velha escolhe sempre o confit de pato, crocante e macio ao mesmo tempo.
O maître se aproxima.
"Você já sabe o que eu quero. É o meu peixe especial", diz Lembo.
No capítulo dos frutos do mar, o Ici tem de ostras frescas servidas em baixela de prata à especialidade que o chef Benny Novak trouxe da Bélgica: "moules et frites", mexilhões cozidos em cinco modalidades de molho, acompanhados de batatas fritas. Já o "peixe especial" de Lembo guarda a originalidade de ser um simples pargo grelhado, absolutamente sem sal ou tempero, servido com folhas verdes e molho vinagrete com uma gota de mel.
O Ici tem também estimulante carta de vinhos. Mas Lembo prefere água sem gás, no que, por deferência, é acompanhado pelo repórter. A fotógrafa pede suco de laranja. Para comer, os dois últimos concentram o foco nas boas coisas da casa e da vida: magret de pato, em tiras, com cozimento, textura e sabor deliciosos, para Ana Paula, e um correto carré de cordeiro para o repórter.
- Voltando ao "povão", lembro da entrevista que o senhor deu à repórter Mônica Bergamo, da "Folha", no auge da crise do PCC, quando governava o Estado.
- Repetiria tudo aquilo. Não falo nisso todo dia para não ser enfadonho. A elite branca é, de fato, dominadora, escravocrata. E dá exemplos disso cotidianamente.
Lembo diz que é preciso contextualizar aquela entrevista. Ele era o vice na chapa de Geraldo Alckmin e assumiu o Palácio dos Bandeirantes quando o governador renunciou para candidatar-se a presidente em 2006. Ocorreu então, em maio, a série de atentados promovidos pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), a gangue que domina o submundo das drogas, sequestros e assaltos em São Paulo. Em cinco dias, houve 251 ataques do PCC a alvos policiais, com fuzilaria de ambos os lados, e saldo noticiado de 115 mortos.
"Não falei de graça. Fui estimulado pelo momento. Havia aquela crise policial e apareceram na imprensa declarações de dondocas que queriam uma ação enérgica, Lei de Talião, contra os guetos de miséria. Achei isso uma violência. O crime deve ser combatido dentro das normas legais. A Mônica foi ao meu gabinete no palácio, passou um dia lá. Aproveitei para dizer o que penso. Temos uma burguesia má, uma minoria branca perversa. Isso não é de agora, é histórico. Lembrei que, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, aqui os donos de escravos é que foram indenizados quando acabou a escravidão.
- A cidade estava em pânico. O senhor acha que a mídia exagerou no noticiário?
- Houve um dia efetivamente grave, no sábado. No domingo a gente tinha conseguido impor um certo equilíbrio na cidade, no Estado todo, e não havia mais atos de violência. Na segunda-feira as televisões jogaram no ar as imagens do sábado à noite como se fosse ao vivo. Aumentou o pânico. Deveriam ter registrado que as imagens eram de dois dias atrás. Um diretor de TV me disse: "Não posso tirar do ar porque o concorrente está fazendo a mesma coisa".
- E o PCC acabou?
- Não, claro que não. O crime organizado é bem estruturado em qualquer país, e em São Paulo não é diferente. Para combatê-lo na época, para impedir que ele continuasse desafiador, os políticos me deixaram praticamente sozinho, mas contei com o apoio da Secretaria de Segurança, da Polícia Militar, da Polícia Civil, do comando do Segundo Exército. E o que restou disso é que os setores de segurança federal e estadual passaram a se reunir e trocar informações. Do governo federal, por ordem do presidente Lula, até o Ministério da Fazenda colaborou.
- Da Fazenda? Como foi isso?
- Tem lá no ministério um conselho que controla as atividades financeiras, o Coaf. Com as informações do Coaf conseguimos saber que os traficantes menores, os mulas, depositavam sua arrecadação todos os sábados num determinado banco. Rastreamos os donos das contas e pegamos todos.
Para tornar-se um partido político e disputar eleições, o PSD precisa reunir 500 mil assinaturas de filiados em nove Estados. A assinatura de Cláudio Lembo foi a segunda da lista encabeçada pelo fundador do partido, Gilberto Kassab, de quem Lembo é o secretário de Negócios Jurídicos na Prefeitura de São Paulo.
- Segundo um jornal, o PSD só tem rico...
- Estou autoprocurando. Esvaziei os bolsos, conferi o saldo no banco. De meu só tenho uma casa no Bixiga ["apelido" do bairro da Bela Vista] e um carro.
Descendente de italianos, com pai contador e corretor de imóveis, mãe costureira, Lembo nasceu no bairro da Liberdade e aos 14 anos foi morar no Bixiga. E ali viveu exatos 60 anos, na mesma casa herdada dos pais. Há três anos, mudou-se para Higienópolis. O amplo imóvel do Bixiga permanece em seu nome e o apartamento de Higienópolis é do seu filho, agente de viagens.
- E essa gravata preta?
- É pelo menino que morreu. Eu tinha outro filho, engenheiro, que morreu há uns dez anos. Pus gravata preta e nunca mais tirei. Agora faz parte do meu estilo...
Cláudio Filho morreu aos 37 anos de insuficiência hepática - a família considera a morte um erro médico. Mas Lembo pai muda rapidamente de conversa. Pergunta a Ana Paula se ela tem filhos, em que idade. "Na minha idade o tempo corre depressa", diz.
No começo deste ano Lembo foi operado e ficou dois meses no hospital. "Tinha um problema na próstata e ia adiando o tratamento, até que ela ameaçou os rins. Se continuasse a crescer, a bloquear a uretra, e a urina a subir para o rim, seria morte certa. Agora estou bem. Minha dieta é só de sal."
-Não bebe e come pouco por causa disso?
- Nunca fumei, nunca joguei e sempre fui parcimonioso na comida e na bebida. Acho que sou um chato. Mas gosto de futebol, torço pelo Palmeiras.
Lembo declara-se laico e, até a universidade, só estudou em colégios particulares. Para pagar o curso clássico - em que se estudava latim, "e muito", e era equivalente ao atual ensino médio -, conseguiu 70% de desconto no Colégio São Luiz, dos jesuítas. Ali se preparou para a aprovação no vestibular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Já advogado, ingressou no departamento jurídico do Banco Itaú, levado pelo seu presidente, Eudoro Vilella. "Era um homem muito culto, um cientista. No banco conheci o Olavo Setubal, ficamos amigos e a partir dali sempre trabalhei com ele." Lembo foi advogado do Banco Itaú até aposentar-se.
Doutor em direito constitucional e direito processual civil, Lembo é professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde foi reitor até recentemente. Seu conhecimento de direito constitucional serve de base à posição contra a fidelidade partidária que o PSD vai incorporar a seu programa e disso já se aproveita para atrair desertores de outros partidos. A proibição de reeleição de presidente, governadores e prefeitos é outra tese que defende.
"A fidelidade partidária é um ridículo instituto autoritário, herdeiro do regime militar. Há 47 anos, houve o golpe que castrou a inteligência política brasileira. Com a redemocratização criaram-se novos partidos, mas o traço autoritário ficou presente. E aí aconteceu a tal de fidelidade partidária. Como é que você vai ser fiel se não quer ser fiel? O nascimento do PSD tem a vantagem de ser uma válvula de escape para aqueles que estão desconfortáveis em seus partidos."
- E a reeleição?
- A reeleição é um dos grandes erros na política brasileira. Já em 1891 a Constituição brasileira estabeleceu que não deveria ter reeleição. Os constituintes consideraram que a reeleição estabeleceria uma ditadura pessoal no Brasil. As constituições seguintes mantiveram esse princípio. Até no regime militar, que podia tudo, os generais não permitiram reeleição. Alguns até queriam continuar, mas o sistema não permitiu. Depois, por um golpe parlamentar, Fernando Henrique rompeu isso. Foi um grande erro que tem de ser cobrado pela história. Agora, no Senado, a comissão da reforma política sugeriu mandato de cinco anos para o presidente, sem reeleição. É a volta à tradição republicana. Eu concordo.
- O PSD veio para ficar ou é um caminho de passagem?
- Não é um caminho de passagem. O partido vai se consolidar. E crescer.
- Kassab parece que não sabe. E o senhor já sabe se o partido é de direita, de esquerda?
- A posição do PSD é o centro, o conservadorismo. O Brasil precisa de um partido conservador, equilibrado. É que nem o velho PSD, que tinha muitos donos e não tinha dono, um partido do bom senso e do consenso. Era uma escola, escola conservadora. Tinha Amaral Peixoto, Ulysses e Tancredo. Foi o PSD que fez a redemocratização depois do Estado Novo. E teve Juscelino Kubitschek, um desenvolvimentista.
Esta é a quarta vez que Lembo ocupa uma secretaria na Prefeitura de São Paulo. Esteve com Setubal, com Jânio Quadros (1986-1989) e com Paulo Maluf (1993). No plano federal, foi chefe de gabinete de Marco Maciel no Ministério da Educação (1983-1984) e na Vice-Presidência da República (1994-2002).
- Qual é o segredo de sua convivência com políticos de estilos e cacoetes tão diferentes?
- Trabalho. Nunca dei lugar a qualquer censura ao meu modo de trabalhar.
Terminado o almoço, na calçada da rua Pará, Lembo, sozinho, espera o manobrista trazer seu carro do estacionamento. É um Ford Ka 2002 - aliás, reluzente.
Valor Econômico - 20/04/2011
A fotógrafa Ana Paula Paiva circula em torno da mesa e, clique, clique, faz o seu trabalho. Cláudio Lembo interrompe o que dizia, olha fixo para o repórter e sua voz agora é quase um sussurro:
Lembo: Essa gente do SNI continua filmando tudo, fotografando, gravando...
Ana Paula: Vou fotografá-lo muito.
Lembo: Sente-se e coma conosco, isso sim.
Durante a ditadura, Lembo não era um subversivo, nem mesmo militava no MDB, a oposição consentida, mas cuja atuação tinha de ser permanentemente "monitorada". Lembo estava na Arena, o partido do governo, e chegou a presidi-lo regionalmente por influência de seu amigo e líder, Olavo Egydio Setubal, prefeito de São Paulo de 1975 a 1979. Nos desvãos do regime, funcionavam, porém, serviços de arapongagem, tão numerosos quanto as facções em que a Arena se dividia. Tomavam posição nessas disputas e vigiavam-se uns aos outros. É isso que Lembo recorda neste "À Mesa com o Valor", no Ici Bistrô, restaurante de tendência francesa do bairro de Higienópolis.
"Fui sete anos presidente da Arena em São Paulo e não me arrependo. Éramos o grupo mais arejado da Arena. Queríamos mais pressa na transição para a democracia."
Tempos difíceis aqueles: assassinato do jornalista Vladimir Herzog e do metalúrgico Manuel Fiel Filho, demissão do general Ednardo D"Ávila Melo do comando do Segundo Exército, demissão do general Silvio Frota do Ministério do Exército, bomba que mata um sargento e explode no colo de um capitão antes que ambos cometessem um atentado no Riocentro, auge da guerra declarada entre as linhas "dura" e "branda" da ditadura. Lembo, alinhado com o governador Paulo Egydio Martins, participava do grupo que queria fazer do banqueiro Olavo Setubal o próximo governador. Mas do Planalto veio a ordem de consagrar o nome do ex-governador Laudo Natel. A eleição não era direta. A Assembleia Legislativa, travestida de colégio eleitoral, homologaria o indicado pela convenção da Arena (no país todo, se a Arena não tivesse maioria na Assembleia, cassavam-se deputados do MDB até a minoria virar maioria).
Em São Paulo, a obediência às ordens de Brasília era dada como certa, nem precisava articular-se com os convencionais. E aí a espionagem não funcionou. Silenciosamente, Paulo Maluf correu por fora, trabalhou as bases da Arena e no dia da convenção ele é que tinha a maioria. Ganhou de Natel por 26 votos e governou São Paulo de 15 de março de 1979 a 14 de maio de 1982.
Nessa época, Lembo cultivava sobrancelhas exageradamente grossas e negras, para alegria dos caricaturistas e humoristas. Um deles disse que Lembo era a única pessoa no mundo a ostentar os bigodes acima do nariz. Hoje, aos 76 anos e meio, as sobrancelhas encaneceram, já não são tão destacáveis.
O que não muda em Lembo é a memória, prodigiosa, e o tom sincero e cru, mas elegante e irônico, com que comenta a atualidade política.
- O que achou do artigo do ex-presidente Fernando Henrique?
- Há momentos em que o silêncio é um bem precioso.
- Só isso? Esse é o seu comentário?
- Em verdade não sei o que ele pretende. Falou como sociólogo? Mas ele é presidente de honra do PSDB e, quando fala, fala como político. Um partido que quer voltar ao poder não pode desconsiderar os milhões que votaram em Dilma, discriminar as classes sociais. "Massas carentes e pouco informadas", "povão"!... Isso é preconceito.
O Ici é um restaurante familiar a Cláudio Lembo. Visita-o com frequência e quando vai com a mulher, dona Renéa, o filho, José Antônio, e os quatro netos, a neta mais velha escolhe sempre o confit de pato, crocante e macio ao mesmo tempo.
O maître se aproxima.
"Você já sabe o que eu quero. É o meu peixe especial", diz Lembo.
No capítulo dos frutos do mar, o Ici tem de ostras frescas servidas em baixela de prata à especialidade que o chef Benny Novak trouxe da Bélgica: "moules et frites", mexilhões cozidos em cinco modalidades de molho, acompanhados de batatas fritas. Já o "peixe especial" de Lembo guarda a originalidade de ser um simples pargo grelhado, absolutamente sem sal ou tempero, servido com folhas verdes e molho vinagrete com uma gota de mel.
O Ici tem também estimulante carta de vinhos. Mas Lembo prefere água sem gás, no que, por deferência, é acompanhado pelo repórter. A fotógrafa pede suco de laranja. Para comer, os dois últimos concentram o foco nas boas coisas da casa e da vida: magret de pato, em tiras, com cozimento, textura e sabor deliciosos, para Ana Paula, e um correto carré de cordeiro para o repórter.
- Voltando ao "povão", lembro da entrevista que o senhor deu à repórter Mônica Bergamo, da "Folha", no auge da crise do PCC, quando governava o Estado.
- Repetiria tudo aquilo. Não falo nisso todo dia para não ser enfadonho. A elite branca é, de fato, dominadora, escravocrata. E dá exemplos disso cotidianamente.
Lembo diz que é preciso contextualizar aquela entrevista. Ele era o vice na chapa de Geraldo Alckmin e assumiu o Palácio dos Bandeirantes quando o governador renunciou para candidatar-se a presidente em 2006. Ocorreu então, em maio, a série de atentados promovidos pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), a gangue que domina o submundo das drogas, sequestros e assaltos em São Paulo. Em cinco dias, houve 251 ataques do PCC a alvos policiais, com fuzilaria de ambos os lados, e saldo noticiado de 115 mortos.
"Não falei de graça. Fui estimulado pelo momento. Havia aquela crise policial e apareceram na imprensa declarações de dondocas que queriam uma ação enérgica, Lei de Talião, contra os guetos de miséria. Achei isso uma violência. O crime deve ser combatido dentro das normas legais. A Mônica foi ao meu gabinete no palácio, passou um dia lá. Aproveitei para dizer o que penso. Temos uma burguesia má, uma minoria branca perversa. Isso não é de agora, é histórico. Lembrei que, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, aqui os donos de escravos é que foram indenizados quando acabou a escravidão.
- A cidade estava em pânico. O senhor acha que a mídia exagerou no noticiário?
- Houve um dia efetivamente grave, no sábado. No domingo a gente tinha conseguido impor um certo equilíbrio na cidade, no Estado todo, e não havia mais atos de violência. Na segunda-feira as televisões jogaram no ar as imagens do sábado à noite como se fosse ao vivo. Aumentou o pânico. Deveriam ter registrado que as imagens eram de dois dias atrás. Um diretor de TV me disse: "Não posso tirar do ar porque o concorrente está fazendo a mesma coisa".
- E o PCC acabou?
- Não, claro que não. O crime organizado é bem estruturado em qualquer país, e em São Paulo não é diferente. Para combatê-lo na época, para impedir que ele continuasse desafiador, os políticos me deixaram praticamente sozinho, mas contei com o apoio da Secretaria de Segurança, da Polícia Militar, da Polícia Civil, do comando do Segundo Exército. E o que restou disso é que os setores de segurança federal e estadual passaram a se reunir e trocar informações. Do governo federal, por ordem do presidente Lula, até o Ministério da Fazenda colaborou.
- Da Fazenda? Como foi isso?
- Tem lá no ministério um conselho que controla as atividades financeiras, o Coaf. Com as informações do Coaf conseguimos saber que os traficantes menores, os mulas, depositavam sua arrecadação todos os sábados num determinado banco. Rastreamos os donos das contas e pegamos todos.
Para tornar-se um partido político e disputar eleições, o PSD precisa reunir 500 mil assinaturas de filiados em nove Estados. A assinatura de Cláudio Lembo foi a segunda da lista encabeçada pelo fundador do partido, Gilberto Kassab, de quem Lembo é o secretário de Negócios Jurídicos na Prefeitura de São Paulo.
- Segundo um jornal, o PSD só tem rico...
- Estou autoprocurando. Esvaziei os bolsos, conferi o saldo no banco. De meu só tenho uma casa no Bixiga ["apelido" do bairro da Bela Vista] e um carro.
Descendente de italianos, com pai contador e corretor de imóveis, mãe costureira, Lembo nasceu no bairro da Liberdade e aos 14 anos foi morar no Bixiga. E ali viveu exatos 60 anos, na mesma casa herdada dos pais. Há três anos, mudou-se para Higienópolis. O amplo imóvel do Bixiga permanece em seu nome e o apartamento de Higienópolis é do seu filho, agente de viagens.
- E essa gravata preta?
- É pelo menino que morreu. Eu tinha outro filho, engenheiro, que morreu há uns dez anos. Pus gravata preta e nunca mais tirei. Agora faz parte do meu estilo...
Cláudio Filho morreu aos 37 anos de insuficiência hepática - a família considera a morte um erro médico. Mas Lembo pai muda rapidamente de conversa. Pergunta a Ana Paula se ela tem filhos, em que idade. "Na minha idade o tempo corre depressa", diz.
No começo deste ano Lembo foi operado e ficou dois meses no hospital. "Tinha um problema na próstata e ia adiando o tratamento, até que ela ameaçou os rins. Se continuasse a crescer, a bloquear a uretra, e a urina a subir para o rim, seria morte certa. Agora estou bem. Minha dieta é só de sal."
-Não bebe e come pouco por causa disso?
- Nunca fumei, nunca joguei e sempre fui parcimonioso na comida e na bebida. Acho que sou um chato. Mas gosto de futebol, torço pelo Palmeiras.
Lembo declara-se laico e, até a universidade, só estudou em colégios particulares. Para pagar o curso clássico - em que se estudava latim, "e muito", e era equivalente ao atual ensino médio -, conseguiu 70% de desconto no Colégio São Luiz, dos jesuítas. Ali se preparou para a aprovação no vestibular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Já advogado, ingressou no departamento jurídico do Banco Itaú, levado pelo seu presidente, Eudoro Vilella. "Era um homem muito culto, um cientista. No banco conheci o Olavo Setubal, ficamos amigos e a partir dali sempre trabalhei com ele." Lembo foi advogado do Banco Itaú até aposentar-se.
Doutor em direito constitucional e direito processual civil, Lembo é professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde foi reitor até recentemente. Seu conhecimento de direito constitucional serve de base à posição contra a fidelidade partidária que o PSD vai incorporar a seu programa e disso já se aproveita para atrair desertores de outros partidos. A proibição de reeleição de presidente, governadores e prefeitos é outra tese que defende.
"A fidelidade partidária é um ridículo instituto autoritário, herdeiro do regime militar. Há 47 anos, houve o golpe que castrou a inteligência política brasileira. Com a redemocratização criaram-se novos partidos, mas o traço autoritário ficou presente. E aí aconteceu a tal de fidelidade partidária. Como é que você vai ser fiel se não quer ser fiel? O nascimento do PSD tem a vantagem de ser uma válvula de escape para aqueles que estão desconfortáveis em seus partidos."
- E a reeleição?
- A reeleição é um dos grandes erros na política brasileira. Já em 1891 a Constituição brasileira estabeleceu que não deveria ter reeleição. Os constituintes consideraram que a reeleição estabeleceria uma ditadura pessoal no Brasil. As constituições seguintes mantiveram esse princípio. Até no regime militar, que podia tudo, os generais não permitiram reeleição. Alguns até queriam continuar, mas o sistema não permitiu. Depois, por um golpe parlamentar, Fernando Henrique rompeu isso. Foi um grande erro que tem de ser cobrado pela história. Agora, no Senado, a comissão da reforma política sugeriu mandato de cinco anos para o presidente, sem reeleição. É a volta à tradição republicana. Eu concordo.
- O PSD veio para ficar ou é um caminho de passagem?
- Não é um caminho de passagem. O partido vai se consolidar. E crescer.
- Kassab parece que não sabe. E o senhor já sabe se o partido é de direita, de esquerda?
- A posição do PSD é o centro, o conservadorismo. O Brasil precisa de um partido conservador, equilibrado. É que nem o velho PSD, que tinha muitos donos e não tinha dono, um partido do bom senso e do consenso. Era uma escola, escola conservadora. Tinha Amaral Peixoto, Ulysses e Tancredo. Foi o PSD que fez a redemocratização depois do Estado Novo. E teve Juscelino Kubitschek, um desenvolvimentista.
Esta é a quarta vez que Lembo ocupa uma secretaria na Prefeitura de São Paulo. Esteve com Setubal, com Jânio Quadros (1986-1989) e com Paulo Maluf (1993). No plano federal, foi chefe de gabinete de Marco Maciel no Ministério da Educação (1983-1984) e na Vice-Presidência da República (1994-2002).
- Qual é o segredo de sua convivência com políticos de estilos e cacoetes tão diferentes?
- Trabalho. Nunca dei lugar a qualquer censura ao meu modo de trabalhar.
Terminado o almoço, na calçada da rua Pará, Lembo, sozinho, espera o manobrista trazer seu carro do estacionamento. É um Ford Ka 2002 - aliás, reluzente.
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