segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O Triângulo do Barulho


O Triângulo de ruas adjacentes à rua Direita, ruas Francisco Procópio, Cel. Josino e Barroso de Carvalho, é do barulho! São ruas de refluxo da rua Direita. Sem o Triângulo a rua Direita em dias de festa transbordaria geral, com gente pra tudo que é lado saindo pelo ladrão.

No Carnaval, então nem se fala! Quando o Renato Mercante anuncia, com seu vozeirão de tenor, pelo microfone, do palanque que todo ano é estrategicamente montado na esquina da Cel. Josino com a Mal. Floriano, a apresentação do desfile da agremiação da vez, um foguetório pipoca no ar e a platéia que se afugenta um pouco da multidão no Triângulo se aproxima das cordas de isolamento para assistir ao desfile. Os integrantes da agremiação carnavalesca neste momento sentem a responsabilidade, e não tem como evitar aquele friozinho na barriga e o arrepio dos pelos do corpo, afinal a atenção do povo foi chamada para eles, e, ainda por cima, serão julgados nos quesitos e adereços por autoridades constituídas que os aguardam no palanque. O puxador da música enredo solta o vozeirão num tom mais elevado e toda agremiação o segue. É preciso fazer bonito!

Na contramão destes, aproveitam aqueles que estão com o pote cheio para, no refluxo, irem às ruas do Triângulo para tirarem a "água do joelho". Hoje em dia, por lá, são colocados estratégicos banheiros químicos, mas, infelizmente, muitos os ignoram e preferem entornar os seus líquidos retidos fora deles, exalando no ar aquele aroma de amoníaco que se tornou típico dos carnavais.

A Barroso de Carvalho vira um fuzuê geral, comandada, principalmente, pela rapaziada do funk e hip hop. E haja disposição para encarar os decibéis do som! Quando a agremiação em desfile passa por ela, os tradicionais blocos que se formam na rabeira da agremiação ligam o piloto automático e a adentra, se desviando em zig zag das pessoas, barraquinhas de churrasquinho e bebidas, vendedores ambulantes com seus isopores, e vão em direção aquela pretensa rua que corta a Barroso ao meio, que há mais de cinquenta anos não é concluída, para ao ar livre, na maioria das vezes, esvaziarem a bexiga. Uma vez aliviados, retornam para a rua Direita para buscarem a rabeira da próxima agremiação e ficarem naquele vai e vem da folia.

Mas nem por isso o Triângulo perde seu charme. Está lá para os carnavais que vierem e para desafogar a rua Direita quando for preciso. E quem sabe um dia, desafogar também a bexiga de todos foliões nos apropriados e estratégicos banheiros químicos que por ali são colocados.

É claro que o aguaceiro indesejado não se limita ao Triângulo. Ele se concentra também em outros pontos da cidade, como na praça Dona Ermelinda e rua Jamil Cardoso. E também não é problema exclusivo de nossa cidade, sabemos que a maioria dos municípios brasileiros não aguenta mais tanto amoníaco no ar.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

QUAL ERA O CARTAZ DO FILME?


Dia destes saí de casa e fui caminhar despretensiosamente pela rua Direita. Quando passava pelo Bar do Toninho Richard, vi que a cúpula dos galistas de Miracema estava reunida: Amaro do DER, dr. Bonzinho, prof. Álvaro Lontra, Ariosto Poli, Ademir Galista, Cid Boiadeiro, Gerber Nogueira, Joel Peixoto, Antão do Doriles, ... Entrei e peguei uma garrafinha de limonada na geladeira e comi um delicioso quitute feito pela dona Beleza, e sentei um pouco para escutar a conversa: era sobre o último embate do galo Paladão do seu Amaro, um veterano galo com mais de vinte brigas no currículo. Quando acabei de tomar a limonada, pendurei a conta, me levantei e segui em frente.

Diante do Bar Pracinha vi seu Basileu e seu Osvaldo "Calçapura" sentados com garrafa de água mineral e xícaras de café nas suas frentes, conversando. Seu Oswaldo era também árbitro de futebol e tinha fama de apitar jogo armado, para impor mais respeito. Resolvi entrar e me sentar a seus lados. Pedi pro Salim, que estava atendendo aos clientes, um cafezinho e lhe perguntei como foi o jogo do Fluminense. Ele não respondeu e deu de ombros, como quem diz: sai pra lá, está a fim de fazer hora com minha cara. Mas trouxe-me o café, fresquinho e feito no coador de pano. Estava muito bom o café, mas resolvi me levantar porque a conversa era sobre o afretamento do caminhão do seu Osvaldo para compras de mantimentos em São Paulo para abastecer o Armazém do seu Basileu.

Ao sair do bar, presenciei o Mané "Catinga" vestido com o uniforme completo do Flamengo, fazendo “embaixadinhas” na frente da Barbearia Gerson. Seu "Chope", que havia patrocinado o uniforme, todo sorridente e com um charuto aceso na mão, falava: “Mané! narra aí o gol que deu o título de campeão estadual pro Flamengo hoje sobre o Fluminense há! há! ...” Seu Gerson veio pra porta da Barbearia e ria que não se agüentava. Seu Heleno Moura, que provavelmente devia estar indo para a reunião dos galistas, parou para assistir ao show do Mané "Catinga", mas só balançava a cabeça em sinal de reprovação. O seu Tim, lá da calçada de sua Farmácia Granato, de semblante sério, ficava limpando e recolocando os óculos pra ver se enxergava melhor.

Atravessei a rua e entrei no Salão de Sinuca do seu Vavate. Estavam todos ao redor da segunda mesa de sinuca assistindo partida apostada entre o Tetel e o Bilu. Haviam horas que os dois estavam jogando. Tetel estava ganhando e alegre como sempre, fazendo a plateia rir com seus causos de bem dotado. A molecada naquele dia estava proibida de jogar, porque quem estava na gerência do salão era o seu Arco Verde, que só deixava jogar quem não tivesse conta pendurada.

Saí do Salão e decidi ir até o Cinema Sete para ver o cartaz do filme do dia. Ao atravessar a rua sem olhar, quase entrei na frente da bicicleta do seu Zebim. O que me salvou foi o alerta do assobio dele, se não teria trombado.

Chegando no cinema vi o Buru na calçada com uma faixa estendida pintando uma propaganda encomendada. Fiquei ali tão entretido com a arte do Buru que fui embora e me esqueci de ver o cartaz do filme.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Dom Pedro II e Miracema

Uma curiosidade que os miracemenses, de uma forma geral, tem em relação ao Barão de Miracema, cujo nome foi dado a um dos principais logradouros de Campos dos Goytacazes: o Miracema do Barão foi derivado da nossa Miracema?

É possível que sim, pelos seguintes motivos: a) o título nobiliárquico Barão de Miracema criado por Dom Pedro II foi concedido uma única vez para pessoa da mesma região da qual fazia parte Miracema, Norte Fluminense, na então província do RJ; b) nossa Miracema passou a ter este nome em 13 de abril de 1883, enquanto o Decreto Imperial s/n, que concedeu tal título, data de 19 de agosto de 1888; e c) era comum a criação de título nobiliárquico com nome de lugares.

Os títulos nobiliárquicos no Brasil foram criados pelos monarcas para agraciarem pessoas por serviços prestados a casa monarca, ao monarca ou ao país.

A única pessoa a receber o título de Barão de Miracema foi o dr. Lourenço Maria de Almeida Batista (22/10/1839 - 22/02/1924), de Campos dos Goytacazes. Dr. Lourenço foi filho do Comendador Bento Benedito; médico; Presidente da Câmara Municipal de Campos (1873-1876); Juiz de Paz (1886-1889); Deputado à Câmara Federal, pelo Estado do Rio de Janeiro (1900); e Senador da República (1903, reeleito em 1906 e em 1916). Não deixou geração do seu casamento com Maria Sara de Almeida Batista.

Como sabemos, o motivo alegado pela população da então Santo Antônio dos Brotos para a mudança do nome foi por haver constantes extravios de correspondências por haver outra localidade com o mesmo nome ou semelhante. O novo nome escolhido, Ybiracema, extraído do tupi-guarani (Ybira – pau que brota; e Cema – nascer) não foi do agrado do dr. Ferreira da Luz – médico, poeta, de origem gaúcha e o mais importante republicano do nosso município da época, Pádua -, que, ainda baseado no tupi-guarani, substituiu o Ybira por Mira, que quer dizer gente, povo.

Ainda bem que houve a intervenção do dr. Ferreira da Luz neste episódio, porque o nome Miracema é muito mais bonito do que Ybiracema. 

Pesquisa: Dicionário das Famílias Brasileiras, de C. Bueno/C. Barata

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

EU QUERO PAZ

Osmar Perazzo Lannes Jr

“Alá-lá-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô / Mas que calor-ô-ô-ô-ô-ô-ô-ô.!” O Joaçaba adorava essa música. Acompanhava-a com prazer no trompete e até se lamentava por não poder sair cantando, dançando e pulando como aquela multidão ali embaixo. Quando ele via a alegria da rapaziada de todas as idades transformando em movimento sincronizado a melodia e o ritmo que saíam da banda, entendia como é que, Carnaval sim, outro também, ele não resistia ao convite sempre renovado do Tião para tocar na banda dele nos bailes noturnos do clube. Quando eles entravam no ginásio, adaptado para salão de baile, ele sempre sentia um frio na barriga, uma mistura de orgulho, seriedade e entusiasmo, a certeza de que ia fazer um trabalho muito importante. Enquanto subia os degraus da arquibancada em direção ao palco de madeira improvisado perto do canto da quadra de futebol de salão, ele se sentia como um médico cardiologista entrando no centro cirúrgico. Às onze em ponto, então, os primeiros compassos de “Cidade Maravilhosa” informavam que a banda do Tião pedia licença, mas que, nas próximas cinco horas, as tristezas do mundo iam ser barradas na entrada do clube.
O discreto sinal do Teco Cachaça fez o Joaçaba se lembrar de que estava na hora de dar a deixa para a mudança de música. Era um intervalo de quarta, prolongado por uns dois compassos, geralmente um dó-fá, porque o Tião cismava de tocar em fá maior. Era a deixa, por exemplo, para os bumbos reduzirem o ritmo, se entrava uma marcha-rancho.
“A Estrela Dalva/No céu desponta/E a Lua anda tonta/Com tamanho esplendor”. Joaçaba não se cansava de “Estrela Dalva”. Tudo nela era bonito: o ritmo, a harmonia, a letra. Uma pequena e eterna obra-prima, pensava. Como todos os anos, concordou consigo mesmo que nunca mais se fizeram músicas de Carnaval como as marchinhas e marchas-rancho dos anos 30, 40, 50 e, vá lá, concedeu, 60. Anos 70, só uma ou outra, a não ser... a não ser... esta, pensou – coração batendo mais rápido, enquanto o bumbo ralentava, junto com a deixa, agora em ré maior –, a minha música, o ponto culminante de todos os bailes de Carnaval.
“Bandeira branca, amor/Não posso mais/Pela saudade que me invade/Eu peço paz”.
Esse era o momento do que Joaçaba chamava de “viagem”. Porque era mesmo uma viagem. Quando começava “Bandeira branca”, ele deixava seu trombone no piloto automático, saía voando daquele coreto mambembe e fugia de volta para o mesmo lugar, a pracinha da sua Miracema natal, para o mesmo momento, o Carnaval de 1970, e a mesma pessoa, sua Celeste adorada. Nos três, quatro minutos que durava a marchinha, ele voltava a ser o Roberto, filho do seu Zé Joaçaba da quitanda, um rapaz de 18 anos, às vésperas de se mudar para a casa dos tios em Niterói, para terminar o Científico e realizar o grande sonho de seu pai humilde, ser aprovado no Vestibular para a Faculdade de Medicina da Universidade Federal. Aquele Carnaval era também a sua festa de despedida da cidade onde vivera desde que nascera. E, mais ainda, a despedida de uma existência simples, mas boa, dividida entre o trabalho na quitanda do pai e os estudos no ginásio da cidade. Sabia que, a partir de agora, tudo ia ser muito mais difícil.
Tinha sido justamente quando a banda de Miracema tocava “Bandeira branca” que ele literalmente tropeçou na Celeste. Alguma sinapse cósmica deve ter acontecido para que, no mesmo instante, os dois se abraçassem e saíssem pulando juntos. Haviam crescido os dois ali na cidade, haviam estudado juntos, mas até então pouco haviam se falado. Só que, nos últimos anos, ele percebera que ficava todo desconcertado na presença dela, que ela o perturbava por motivos que ele não compreendia. Ele descobriu que a achava maravilhosa. Não que ela fosse um tipo de beleza. Claro, ela era bonita, elegante, charmosa. Mas havia um ingrediente invisível e indefinível que a tornava magnética para ele.
E, naquela noite, as primeiras palavras que pronunciaram juntos, ele com o braço direito sobre o ombro dela, ela com o braço esquerdo enlaçado nas costas dele, haviam sido justamente aquelas: “Bandeira branca / Eu peço paz”. Dançaram, cantaram e pularam até de madrugada. Ele a levou até em casa naquela Quarta-feira de Cinzas. Viram-se novamente em todos os dez dias seguintes. Beijaram-se pela primeira e única vez na hora da partida dele, na rodoviária da cidade. Prometeram se escrever. Prometeram se esperar. Prometeram se amar.
Mas tudo fora muito mais difícil para o Roberto do que ele pudera imaginar. Arrumou um emprego em Niterói durante o dia, para ajudar nas despesas da casa dos tios, ia ao colégio noturno e estudava de madrugada. As cartas para Celeste foram se espaçando, assim como as respostas dela, as viagens de fins de semana para Miracema foram sendo substituídas por viagens aos feriados e, depois de algum tempo, pela ausência. Aquele amor acabou de morte morrida, lenta e dolorosa – como um coma, pensou ele, com tristeza.
Mas, curiosamente, ele nunca se esquecera daquela moça lindamente despenteada, confetes sobre os ombros revelados pelo tomara-que-caia da fantasia de pirata. E o beijo que trocaram na rodoviária havia sido, depois de tanto tempo, o único beijo de que ele se recordava em toda a sua vida, o modo como ele segurara o rosto dela com as duas mãos e o puxara para o seu, o modo como ela se apertara contra ele e retribuíra o seu carinho.
Agora, já perto dos sessenta, todo ano ele esperava pela música, todo ano ele ansiava pela viagem que o reunia por três, quatro minutos ao seu primeiro e efêmero amor.
Hora da deixa. Dó-fá de novo. “Mamãe, eu quero/Mamãe, eu quero/ Mamãããããe, eu quero mamar”. O salão parece tremer. Despediu-se mentalmente da Celeste, linda pirata de 17 anos, ombros revelados pelo tomara-que-caia de cetim, serpentinas coladas ao short vermelho, desaparecendo no limbo dos amores perdidos. Até o ano que vem, resignou-se.
Mas eis que... Meu Deus, assusta-se ele, não é que tem uma pirata parecida com a Celeste, ali, parada bem perto da cerca? E não é que ela está olhando para cá ? Joaçaba pára de tocar e afasta lentamente o trompete da boca, que vai se abrindo no exato ritmo em que seus olhos vão se arregalando. Não parece a Celeste. É a Celeste, grita o Joaçaba. Os músicos só percebem que há algo errado quando ele joga o trompete no chão e, com uma agilidade inesperada, pula para o salão, dois metros abaixo. Alguém grita. Começa a correria. Joaçaba olha em volta, atordoado. Onde está ela ? Ali ! E sai correndo, esbarrando, derrubando, atrás da menina de 17 anos, que já saiu do salão e vai em direção às piscinas. Ninguém consegue detê-lo. Perto da entrada do vestiário, Joaçaba finalmente alcança a moça.
Ela se vira. Eles se olham. “- Celeste?”, gagueja o sexagenário. “- Sou eu”, responde ela. “- Mas... como é que pode? Você ainda é uma menina”, ele grita em desespero.” Ela sorri irônica: “- Fiquei te esperando, Roberto. Você não me disse que ia voltar ?”
O tumulto às suas costas indicou ao Joaçaba que ele ia ser agarrado pelos seguranças, que já se aproximavam correndo. De repente, uma sinapse cósmica. “- Vem, Celeste”, ele gritou, puxando-a em um arranco para si.
Seus lábios se tocaram e suas bocas se abriram. Eles agora estavam juntos. Estavam na rodoviária de Miracema de novo. Mas, desta vez, ele não ia embarcar no ônibus. Não. Ele ia ficar. Eles iam se casar, iam construir uma vida juntos. Ele não ia perder a Celeste pela segunda vez. Uma eletricidade fez o seu corpo se sacudir todo.
* * * * *
“- Ele consegue ouvir a gente, Doutor ?”, perguntou a filha, olhos lavados, fisionomia abatida. “- Ninguém sabe com certeza”, respondeu o médico, tom de voz compreensivo. Era a sua rotina na UTI. “- Não se sabe”, repetiu. “- A corrente mais aceita defende que durante o coma o paciente delira, que sonha, mas não se tem certeza.”
A mãe abraçou a moça com ternura. “- Vem, querida. Amanhã a gente volta.”
As duas encaminharam-se para a saída. Antes de chegar à porta da UTI, porém, a filha voltou-se para olhar uma última vez para o seu pai, o Dr. Roberto Joaçaba, cardiologista de renome nacional. Não teve certeza, mas ela podia jurar que nesse momento viu seu pai tremer todo, como se uma eletricidade o tivesse perpassado, ao mesmo tempo em que seus lábios machucados e ressequidos formavam os contornos de um sorriso de felicidade.

Fonte: http://literaturadecamara.sites.uol.com.br/DESAFIO7DO2.htm