No cinema VII os filmes eram em preto e branco, as cadeiras eram desconfortáveis, de madeira, e normalmente o filme era interrompido várias vezes durante a sessão porque sempre acontecia da fita arrebentar, afora as gracinhas que uns gaiatos da platéia gritavam durante a sessão e os objetos que eram jogadas na cabeça do público pelo pessoal que frequentava o balcão (o povo chamava de poleiro); local onde mais tinha pulga naquele cinema. Algumas pessoas que moravam nas proximidades preferiam levar suas próprias cadeiras, para terem mais conforto. Volta e meia o Buru, bilheteiro e administrador do cinema, tinha que intervir e botar um moleque pra fora.
Em certo dia da semana, antes do filme programado e depois do noticiário, era exibido um seriado, geralmente de muita ação, que a molecada adorava.
Assisti muito drama quando criança, pois esse era o tipo de filme que mais agradava aos meus pais, e como eu os acompanhava em suas idas ao cinema, assistia comendo pipoca do pipoqueiro Daniel. Após as sessões ia para casa escutando o comentário que eles faziam sobre o filme. Dos dramas que vi naquela época o que mais lembro foi “La Violetera”. Talvez porque minha mãe tenha cantarolado a música tema do filme por muitos dias, cujo refrão lembro até hoje: “compre, compre este ramito, la violetera”.
Lembro do Cosme imitando e decorando as falas dos personagens dos faroestes americanos durante a exibição do filme, andando de lá para cá no espaço entre a tela e o início das cadeiras, e a platéia mandando ele se sentar.
Cosme era um rapaz alegre, negro, simples, analfabeto, vivia de biscate e era apaixonado por bang-bang. Para não pagar ingresso no cinema ele buscava na estação de trem a lata com o rolo do filme que ia ser exibido.
De tanto ver os filmes de faroeste, ele andava pela rua tentando pronunciar as falas em inglês dos personagens, ou simplesmente enrolando a língua, para as pessoas que cruzassem por ele na rua. Tudo na sua vida girava em torno dos filmes de faroeste, lembro dele correndo pela rua batendo com os pés no chão e com as mãos batendo nas coxas, para reproduzir som de cavalo a galope, e dando gritos de guerra de índio americano, entrecortados por imitação de estampidos de tiros de rifle. Quando eu cruzava com Cosme na rua ele me apontava o dedo indicador, como se fosse um revólver, e dizia uns grunhidos que eu nunca conseguia decifrar.
Acostumávamos distinguir o tipo do personagem que Cosme encarnava, pelas dobras na aba que ele fazia no seu chapéu de palha: dobras normais – xerife; dobras sem critério – bandido; e dobras criteriosas – mocinho. Ele dormia sob as marquises das calçadas das ruas sempre com o chapéu sobre o rosto, conforme os cowboys dos filmes que ele via.
Por onde andará o Cosme?
Outro cinema paradiso em Miracema era a sessão promovida pela loja “O Rei dos Barateiros”. Periodicamente, a loja montava quando anoitecia tela de cinema no porta da agência chevrolet, do outro lado da rua, e, de cima da marquise da Loja, projetava filmes para a população.
Lembro de um episódio que sempre se repetia: alguns moleques simulavam briga e um deles segurando um pedaço de pau lambuzado de fezes na outra ponta pedia para alguém, que não sabia da sujeira, segurar o pedaço de pau para que ele pudesse brigar no braço com o oponente. Quando esse alguém segurava o porrete, o moleque puxava-o deixando a mão da inocente pessoa toda suja. Então eles saiam correndo e rindo da vítima.
Ao ler a crônica “Assombrações” da série “Miracema de Ontem e de Hoje” do meu amigo Bebeto Alvim, no seu blog MOINHO DE PAZ (http://moinhodepaz.blogspot.com/2009/10/miracema-de-ontem-e-de-hoje.html), me ocorreu esta. Obrigado meu amigo! pela inspiração.
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