sexta-feira, 20 de maio de 2011

O Brasil gasta pouco com saúde?
Naercio Menezes Filho
Valor Econômico - 20/05/2011

Há um debate constante na mídia a respeito dos gastos com saúde no Brasil. Muitos analistas defendem um aumento nos gastos públicos, inclusive com a criação de impostos específicos para a saúde, como a ressurreição da CPMF, por exemplo. Mas, afinal, o que mostram os dados? Será que o Brasil gasta pouco com saúde em relação a outros países? Quanto é gasto pelo setor público e privado? Quais os principais gastos privados?

O gráfico mostra os gastos com saúde como proporção do PIB em alguns países do mundo, com dados de 2009 recém divulgados pela Organização Mundial da Saúde. Podemos observar que o país que mais gasta com saúde nessa amostra é os Estados Unidos, atingindo 16% do PIB. Em seguida temos Cuba, país famoso pela qualidade dos seus serviços de saúde e educação, que investe 12% do PIB. Países da OCDE, como a Alemanha, Portugal e Canadá, gastam cerca de 11%. Já o Brasil gasta 9% do PIB com saúde, integrando o terceiro grupo de países, juntamente com a Argentina e o Reino Unido. O Brasil gasta mais que o Chile e bem mais do que o México e a Coreia. Já a China gasta somente 4% do seu PIB com saúde.

O Brasil integra o grupo de países em que o setor privado é responsável por metade dos gastos

Assim, ao dedicar 9% do seu PIB para a saúde, o Brasil está gastando mais do que a maioria dos países latino-americanos. Mas, como a população brasileira é grande, faz sentido examinar também o gasto por habitante, dado que o nosso sistema de saúde pretende-se universal. Ao fazer essa conta, vemos que o Brasil gasta cerca de US$ 1 mil por pessoa com saúde. Esse montante é pouco quando comparado com o Reino Unido, Alemanha e Canadá, que gastam cerca de US$ 4 mil por habitante. Mas, esses países são bem mais ricos que o Brasil. Logo todos os seus gastos são maiores. Na verdade, por esse critério o Brasil gasta praticamente o mesmo que a Argentina, México e Chile.

A figura mostra também a distribuição dos gastos entre o setor público e privado. Em Cuba e no Reino Unido os gastos privados são irrisórios, pois o Estado é responsável por quase todo o sistema de saúde. Na Alemanha, Canadá, Portugal e Argentina os gastos privados correspondem a cerca de 20% do total. Já o Brasil integra o grupo de países em que o setor privado é responsável por metade dos gastos, juntamente com os Estados Unidos, México, Coreia e China.

Mais especificamente, no Brasil, as famílias são responsáveis por 54% dos gastos com saúde, o equivalente a R$ 151 bilhões em 2009. Assim, quando perguntamos se o Brasil gasta pouco ou muito com saúde, é necessário distinguir entre o gasto público e o privado.

Somente os gastos com medicamentos somaram R$ 55 bilhões em 2009, mais do que tudo o que foi gasto pelas famílias com educação naquele ano, incluindo as despesas com livros, cursos de idiomas e pré-vestibulares. Na verdade, mais de 80% dos domicílios brasileiros gastam algum montante com remédios durante o ano. Além disto, uma parte substancial do gasto privado refere-se a planos de saúde. Cerca de ¼ dos domicílios brasileiros tinha planos de saúde em 2009. Entre os que ganham mais do que R$ 2.700 por mês, quase 60% tem algum tipo de plano. Obviamente, essas pessoas não querem correr o risco de ficar doentes e terem que parar num hospital na rede pública, com as honrosas exceções de praxe.

É interessante notar, portanto, que se o aumento do gasto público realmente melhorasse a qualidade do atendimento na rede pública, os gastos privados poderiam diminuir, deixando o gasto total constante. Temos que pensar então no aspecto distributivo dessa questão. Todos deveriam ter acesso a um sistema de saúde com qualidade e ter o direito de escolher entre o atendimento público e o privado de acordo com suas preferências, renda e tipo de tratamento.

Entretanto, hoje em dia há muita ineficiência no gasto público com saúde. Pesquisas mostram que muitos hospitais públicos operam com baixa taxa de ocupação e excesso de funcionários, enquanto outros permanecem sobrecarregados. Além disto, há distorções evidentes no sistema. Por exemplo, 16% das pessoas que foram internadas em 2009 e tinham plano de saúde, utilizaram recursos públicos. Além disto, grande parte dos gastos privados com saúde é dedutível do Imposto de Renda. Dessa forma, antes de aumentar ainda mais os gastos públicos com saúde, é necessário racionalizar o sistema.

Naercio Menezes Filho, professor titular - Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA-USP e escreve mensalmente às sextas-feiras.

Um comentário:

Luiz Carlos Martins Pinheiro disse...

Anigo Hélcio

Bela análise estatística.

Sem nenhuma dúvida o problema está mais na qualidade do atendimento.

Em geral, está tão ruim na rede pública, que pessoas morrem até por falta de atendimento.

Veja que doentes de cancer de Miracema vinham sendo atendidos em Muriaé, MG. Este atendimento foi cortado por serem os infermos do RJ. Agora onde irão se tratar? No Rio de Janeiro?

Por outro lado médicos e hospitais reclam não só dos rídiculos valores pagos mas da burocracia para recebe-los do SUS. Alguns têm deixado de atender pelo SUS.

É incrível que até hoje a rede pública não tenha como se ressarcir dos planos de saúde, por atendimentos prestados aos seus associados, que não são raros.

Incrível tambem é a permissão para que os planos de saúde não ofereçam anestesistas, permitindo que estes cobrem o que bem entendam, para depois o paciente obter uma parcela de reembolso do plano.

Cirurgiões insatisfeitos com as remunerações dos planos ameçam fazer o mesmo que os anestesistas, que estão ganhando mais que eles por uma mesma cirurgia. Já há os que estão cobrando por fora dos associados dos planos.

A coisa não só piora na área pública como na particuar. Isto os números não mostram.

Há uma PEC na Câmara Federal que obriga uma maior participação da União nos custos de nossa saúde pública e que o GF não está permitindo sua votação, pois não tem viabilidade a criação de imposto para isto compensar.

Abraços, saúde e Paz de Cristo.
Luiz Carlos/MPmemória.