sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

"Moradia de risco é regra, não exceção"
Dilma sobrevoa áreas atingidas pelas chuvas que mataram mais de 500 pessoas nos municípios serranos cariocas, promete liberação rápida de recursos para a reconstrução das cidades e critica a ocupação de locais impróprios

A primeira viagem de Dilma Rousseff depois de receber a faixa presidencial foi para acompanhar os desdobramentos do maior desastre natural da história do Brasil, provocado por uma combinação de mau tempo na região serrana do Rio de Janeiro e ocupação desordenada das áreas de encostas e de margens de rios. Até o fechamento desta edição, os peritos do Instituto Médico Legal do estado contabilizavam 501 corpos.

Ontem, depois de sobrevoar as áreas atingidas e de caminhar em meio aos escombros de bairros de Nova Friburgo, Dilma, visivelmente consternada, disse que a prioridade é resgatar as pessoas, com ação integrada entre municípios, estado e União. Mais tarde, durante entrevista no Palácio Guanabara, na capital fluminense, ressaltou que, em um segundo momento, será preciso reconstruir as cidades e garantir estrutura para prevenir a repetição da tragédia. Na presença do governador do Rio, Sérgio Cabral, a petista anunciou o empréstimo de R$ 1 bilhão do Banco Mundial para o projeto Morar Seguro, que tem o objetivo de retirar pessoas que vivem em áreas de risco.

“A moradia de risco no Brasil é regra, não exceção”, enfatizou a presidente. Segundo ela, houve um desleixo histórico no país com a população mais pobre. “É um processo que, cada vez mais, temos de cuidar para que não continue”, destacou, lembrando que a questão envolve as três esferas de governo. De acordo com ela, a missão dos governos federal e estadual é reduzir o estrago e oferecer recursos para projetos. Cabe aos municípios evitar que áreas de risco sejam ocupadas. Segundo a presidente, a chuva foi extremamente forte, mas, se a estrutura urbana ideal estivesse consolidada, o número de mortes certamente seria menor.

Dilma também prometeu destravar a burocracia que atrapalha a liberação de recursos, mas reforçou que são necessários projetos para que os municípios recebam a verba e prestação rigorosa de contas para evitar mau uso de dinheiro público. A presidente viajou na companhia de ministros diretamente envolvidos com ações de redução dos danos, incluindo o da Defesa, Nelson Jobim; o da Saúde, Alexandre Padilha; o da Justiça, José Eduardo Cardozo; o da Integração Nacional, Fernando Bezerra; e o de Relações Institucionais, Luiz Sérgio. “É, de fato, um momento dramático. As cenas são fortes. É visível o sofrimento das pessoas e o risco é grande”, disse Dilma.

Ao ser questionada por qual motivo o governo federal gastava mais na recuperação de cidades do que na prevenção de destruição causada por desastres naturais, Dilma citou o ex-presidente Lula e lembrou ações tomadas na gestão anterior que, segundo ela, serviram para melhorar a forma de ocupação no país, como o projeto Minha Casa, Minha Vida e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A presidente afirmou que esses programas terão continuidade e serão fundamentais para evitar novos acidentes de grandes proporções. “Prevenção não é só questão de Defesa Civil, mas de saneamento, drenagem e política habitacional”, disse, lembrando que o governo vai destinar R$ 11 bilhões para essas ações.

Muro
O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, lembrou que as três cidades mais atingidas pelas chuvas desde a noite de terça-feira — Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo — sofreram ocupação desordenada desde a década de 1980. O governo afirmou que, em todo o Rio de Janeiro, há cerca de 18 mil moradias em áreas de risco, segundo o Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro (Geo-Rio). “Quando construímos um muro no Dona Marta (Zona Sul da capital fluminense) para evitar a expansão da comunidade, há dois anos, os oportunistas de plantão disseram que eu queria separar os ricos dos pobres”, reclamou. Segundo o governador, é papel da prefeitura cuidar não só da vida formal da cidade, mas das ocupações irregulares também.

“É preciso ter coragem porque educar muitas vezes é dizer não, não pode construir aqui”, disse Cabral, referindo-se a prefeitos que estavam presentes na entrevista, e lembrou que o PAC removeu mais de 8 mil famílias que moravam em locais de risco. “É um movimento que deve ser feito com mais frequência e consciência”, completou. O governador alertou que deve continuar chovendo nas próximas horas e pediu a colaboração para que os moradores saiam das áreas de risco. “Faço um apelo às pessoas para que saiam de casa. Há áreas de desabamento e a previsão de chuva não é tranqüilizadora”.

Também na entrevista, Dilma elogiou a capacidade de organização do Rio e anunciou medidas financeiras para ajudar na recuperação das cidades da região serrana. Na quarta, a presidente assinou uma medida provisória liberando R$ 780 milhões para reduzir transtornos causados pelas chuvas na Região Sudeste e em parte da Região Sul. Do total, R$ 600 milhões serão para ações da Defesa Civil, R$ 100 milhões para obras de prevenção e reconstrução de áreas afetadas e R$ 80 milhões para obras de emergência em rodovias federais danificadas.

Aluguel social a 5 mil famílias
O governo do Rio de Janeiro formalizou ontem um pedido ao Ministério do Desenvolvimento Social para que a pasta envie recursos para o pagamento de aluguel social a 5 mil famílias que tiveram as casas devastadas pela enchente, na região serrana do estado. A ajuda às vítimas não só chegará por meio de doações e ações sociais dos governos, como também poderá aparecer por iniciativa dos bancos. Ontem, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) recomendou que as instituições não cobrem juros e outros encargos tributários em contas vencidas dos moradores atingidos pela tragédia. A Febraban também orienta os bancos a procurarem prefeituras, concessionárias de serviços públicos e empresas para formalizar a isenção para contas de água, luz, telefone, IPTU e ISS (Imposto Sobre Serviços).


ANÁLISE DA NOTÍCIA
Sobre a 1ª aparição

Leonardo Cavalcanti

Há uma máxima — estúpida, diga-se — seguida por políticos: evite aparecer nos locais de desastres sob o risco de acabar associado a notícias ruins ou ser acusado de populismo. Na primeira aparição pública, Dilma Rousseff jogou a tal regra besta para longe. Melhor para os governados.

Reclusa na burocracia de Brasília desde a posse, a presidente voou até o Rio de Janeiro para ver a tragédia. Nas fotos, ao lado da lama e da destruição, apareceu à frente de Sérgio Cabral e dos ministros. Com o rosto crispado, conseguiu se diferenciar dos políticos veteranos. Melhor para ela.

Nas frases, algumas de efeito, foi no ponto: “Moradia em área de risco do Brasil é regra e não é exceção”. Parecia não estar ali a fazer média, mesmo livrando da culpa o governo Lula e o governador: “No meu governo, não acharei que é um problema do governo estadual”. Melhor para os aliados.

Por fim, comprometeu-se: “Nossa missão também é diminuir os problemas causados pela chuva. Se chover muito, vai deslizar, mas não vai morrer gente. Vamos articular todos os programas que podem tratar isso”. Melhor para o eleitor, que poderá cobrar depois.

Bastante diferente do estilo de Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva gostava de repetir, sempre que podia, que, no cargo, foi o que mais viagens fez. Contabilizava idas aos locais mais ermos do Brasil e recordes de presenças em outros continentes. O petista foi muito criticado, no entanto, pela ausência em momentos de tragédias nacionais. Nos oito anos em que esteve no comando do governo, Lula preferiu delegar tarefas nesses momentos considerados mais agudos e tinha o hábito de só ir ao lugar da desgraça depois de muito tempo. A presidente Dilma Rousseff não deu continuidade a essa política e viajou à região serrana do Rio de Janeiro no dia seguinte ao início das chuvas que mataram centenas de pessoas.

O primeiro grande acidente no governo Lula ocorreu no Maranhão, em 22 de agosto de 2003. Um incêndio seguido de uma enorme explosão nas torres de lançamento do Veículo Lançador de Satélites (VLS-1), na Base de Alcântara, matou 21 técnicos que trabalhavam no projeto. Na época, somente o então porta-voz da Presidência da República, André Singer, se pronunciou imediatamente sobre o assunto, afirmando que o presidente garantia a continuidade do programa espacial brasileiro e que o país estava de luto. Lula participou, cinco dias depois, de uma cerimônia ecumênica em homenagem às vítimas da tragédia em São José dos Campos, interior de São Paulo.

Nem mesmo quando surfava no auge da popularidade, Lula foi acompanhar pessoalmente os desdobramentos de problemas. Em 2008, tempestades castigaram Santa Catarina, matando 135 pessoas e deixando 1,5 milhão e desabrigados. O ex-presidente só foi à região quase um mês depois do ocorrido. No ano passado, nem isso. Quando cerca de 50 pessoas perderam a vida, em abril de 2010, por causa do deslizamento de terra no Morro do Bumba, em Niterói, Lula não foi à cidade fluminense: mandou o então ministro das Cidades, Márcio Fortes, para avaliar a situação. (IS)

Correio Brasiliense – repórteres Elisa Soares e Igor Silveira, e Leonardo Cavalcanti

Um comentário:

Luiz Carlos Martins Pinheiro disse...

Amigo Hélcio

É revoltante ver autoridades federais e estaduais atribuindo aos municípios as responsabilidades pelas desgraças ocorridas como se não tenham com isto e ainda se colando com grandes benemeretes dos socorros a esta situação.

Técninca, política e pessoalmente a respeito já dissemos o que de mais singificativo temos a dizer.

Abraços, saúde e Paz de Cristo.
Luiz Carlos/MPmemória.