Foto incluída em 18/02/2018. Autor: Helcio G. Menezes |
Eu sou de Miracema, do centro e da periferia. Eu sou dali do Ferreira da Luz, onde os excluídos da sociedade, denominados pelos engomados de “bad boys”, pulavam o muro para filar merenda dos alunos na hora do recreio. Eu sou dali do Solange Moreira, onde o viveiro de pássaros do seu Edgar fazia mais minha cabeça que o caderno de caligrafia.
Sou dali do Jardim Dona Ermelinda: da bola de gude na búlica e no mata-mata, do rodar pião, do labirinto com finca, do pular carniça, do pique-bandeira, do jogo de amarelinha, do pique-esconde no entorno do coreto da praça Ary Parreiras, das peladas do rinque, “marraio”, “estrelinha”.
Eu sou do catecismo da dona Áurea, do beijar a mão do padre para ganhar bola de gude colorida holandesa. Sou do álbum de figurinhas Marcelino Pão e Vinho.
Sou da rua: do correr do Paroquena "Pé Redondo", do pegar cana-de-açúcar no caminhão andando, do pular muro alheio pra catar fruta, do jogar bafo-bafo com figurinhas na calçada, do moer vidro no trilho do trem para fazer cerol e do colocar gilete na rabiola do papagaio, do pegar cigarra na primavera, do caçar rã e pescar no verão.
Eu sou daqueles que tomava óleo de fígado de bacalhau (Emulsão Escoth), Biotônico Fontoura e leite de magnésio Philips, todo ano, e frequentava a benzedeira para curar torção proveniente de queda da goiabeira.
Eu sou do leite de vaca direto da fonte: o leiteiro do pecuarista parava o burro carregado com dois latões de leite na frente da sua porta para que você trouxesse vasilha e comprasse o leite de cada dia. Dessa forma também funcionava o verdureiro, o fruteiro, a doceira.
Sou do pegar coleirinho nos campos verdejantes nos verões do Departamento de Café, e de soltar tiziu que caísse no alçapão. Para quem não sabe, tiziu é o pássaro da foto acima que do poleiro dá pulo ou cambalhota no ar para piar.
Sou do banho de ribeirão: na Usina, no Sombreiro, no Moura, na Lagoa Preta ...
Sou dos cinemas Sete e Quinze, e do cineminha do José de Assis.
Eu sou do colégio da dona Lídia Coré, onde os desatentos não tinham a menor chance para isso.
Sou do Colégio Miracemense, corneteiro da sua banda marcial e peladeiro, ruim de bola, nos finais de tarde, do seu campo de futebol.
Sou do Tiro de Guerra 01-217, monitor nº 20, cuja sede ficava em frente da prefeitura de Miracema.
Eu sou de Miracema.
4 comentários:
Muito bacana, Hélcio! Qta inspiração! Parabéns! Uma bela história.
Eta tempo bom hein! Tem muita gente que não fez nem a 4ªparte disso.
Abraços.
Este corneteiro pode ser eu, Hélcio? Parabéns pelo belo texto.
Meu Deus! Sou eu também! Um poema divino, este texto seu, amigo Helcinho! Como eu era feliz, gente! Por que acabaram com tudo isso? Quero de volta essa nossa imorredoura Miracema!
RENATO MERCANTE
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