terça-feira, 27 de setembro de 2011

9 ou 11 vereadores: Tanto faz?

Leonardo Grison, em seu blog

O Brasil tem uma história política turbulenta, cuja principal marca é o autoritarismo, que se revela desde os tempos coloniais até os dias de hoje. O país nasce sob uma monarquia constitucional que é reduzida ao simbólico pelo poder moderador, fruto de uma Assembleia Constituinte que ocorreu em Lisboa, com metade dos deputados de Portugal, institui uma república simbólica através de um golpe militar, com baixíssima participação “popular”, e vem a ser um Estado, no sentido moderno da palavra, apenas na Era Vargas, com a Constituição de 1934, o que só ocorre, curiosamente, por mais um golpe militar. Vargas deixa como herança uma justiça eleitoral séria, com um código eleitoral, voto para todos, mas também deixa a marca da ditadura do Estado Novo. Depois vem a ditadura militar instituída em 1964, um episódio vergonhoso e sanguinário de nossa história. Diversas vezes o Congresso foi fechado, ou reduzido à nada pelo fenômeno do decretismo.

Mas nesse período todo uma instituição nunca foi fechada: as câmaras de vereadores. Elas sobrevivem quase que intactas nesse conturbado trajeto de nossa história. Fragmento de poder local frente às brutais centralizações do poder, que se concentra principalmente na União. Agora, no período mais estável da democracia brasileira, surge a possibilidade de que a população possa aumentar sua representatividade por meio de mais vereadores. Numa aparente contradição, ela não quer. Por quê? A resposta logo se impõe quando se deixa a teoria e se observa a realidade.

Na teoria o poder legislativo é a casa do povo. Elemento essencial na equação da separação de poderes. Ela existe para que um poder anule o outro, como forma de equilibrar o poder. Como dizia Montesquieu, “Quando em uma só pessoa, ou em um mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não pode existir liberdade”. Portanto, não há democracia sem um legislativo forte. Sua função, além de legislar, é fiscalizar. Ele existe para ser uma pedra no sapato do Poder Executivo. Serve para controla-lo. Desse ponto de vista, a ampliação do número de vereadores não poderia ser melhor. Mais vereadores significa mais representantes, mais controle, maior dificuldade em compor maioria (situação em que o Legislativo facilmente fica refém do Executivo) e maior diversidade partidária, com possibilidades de representantes de minorias que antes não teriam oportunidade. A população, no entanto, não vê por esse lado. E não sem motivo.

Num dos raros momentos em nossa história, tem se visto mobilização popular. Em todas as cidades se observou movimentações contra o aumento de vereadores. A população não quer mais pessoas a representando. Alguns dizem que inclusive poderia se reduzir o número de vereadores, e não me surpreenderia se pesquisas apontassem parcela significativa da população querendo fechar as câmaras de vereadores. Os vereadores, em geral, são vistos pela população como vagabundos. Assim como os deputados. (Eu sei que a afirmação foi forte, mas só não vê quem não quer, inclusive as pesquisas de credibilidade mostram isso). No Congresso Federal sobram motivos para isso. De sua função de legislar abdicou há muito tempo. Hoje a esmagadora maioria das leis é proveniente do Executivo, ou simplesmente é Medida Provisória. Os parlamentares, em geral ganham muito e trabalham pouco. Pelo menos no que deveria ser o trabalho deles, eles trabalham pouco. No que não deveria ser trabalho deles, trabalham bastante. Esse trabalho, com visitas constantes às bases, é mais um manter-se-no-poder do que um prestar-contas-às-bases. Contam com um instrumento poderoso: Emendas Parlamentares. Esse instrumento é expressão direta do patrimonialismo: só tem um objetivo, fazer quem está no poder lá permanecer. Através dele se retira dinheiro da união e se “privatiza”, colocando na mão do deputado que usa o dinheiro como se dele fosse. Para benefício próprio? Claro que não! Tudo é feito com a maior aparência de legalidade. Contudo, esse dinheiro é usado para fortalecer a imagem do deputado, que repassa, como se fosse dele, milhões de reais aos municípios. Há como alguém que não faz parte dessa estrutura vir a ser um deputado, sendo que compete com alguém que tem em seu poder milhões de reais para distribuir nas cidades? E mais: Como fica a oposição? Será que também ganha tantas emendas parlamentares assim? Nem preciso responder.

Quando a população pensa no vereador, automaticamente transfere essa imagem que tem dos deputados para eles. E mais: soma a isso a baixa credibilidade que a classe política tem. O que o povo pensa: pessoas que ganham um alto salário para participar de apenas uma seção por semana e que querem apenas se manter no poder. A visão é extremamente reducionista, mas quando se observa a nossa história política se compreende por que. De fato, os partidos que se posicionam pelo aumento do número de vereadores agem no interesse (legítimo, diga-se de passagem) de poder contar com um vereador a mais, o que significa mais visibilidade para o vereador e para o partido, bem como mais dinheiro, já que os vereadores sempre contribuem financeiramente para os partidos. A maior “representatividade” é apenas um discurso de legitimação para esse outro interesse. Como discurso de legitimação, é coerente e em grande parte verdadeiro, mas esconde um outro interesse, que é percebido pela população. O principal motivo disso: a população não se sente representada por seus vereadores. Eles são vistos não como representantes, mas como atores sociais que agem em causa própria. Assim, a população vai pela via da economicidade: ruim por ruim, que pelo menos se gaste menos dinheiro público. Vi inclusive manifestações no sentido de que esse dinheiro seria melhor aproveitado com médicos, enfermeiras, professores, etc. Ora, uma coisa nada tem a ver com a outra, já que se tratam de orçamentos diferentes. Não se faz democracia trocando deputados por professores. Certamente não. O problema é que as câmaras não conseguem se afirmar enquanto poderes independentes, o que faz com que a população não perceba que utilidade possa ter o orçamento do Legislativo, ao contrário do Executivo, em que as obras e serviços são efetivamente sentidos pela população.

Essa reação da população, infelizmente, não traz avanço. Seria muito melhor cobrar trabalho dos vereadores do que cobrar que não existam mais vereadores. Talvez a população tenha sido vencida pelo cansaço. Quando se junta isso, ao discurso fácil de que “político é tudo igual e não presta”, muito alimentado pela mídia, se da origem a figuras como Tiririca, o do “pior que tá não fica”. No entanto, as manifestações populares significam que a população acendeu a luz vermelha para classe política, preocupada em se manter no poder, e não em representar a vontade popular. É um alerta para que nossos representantes se preocupem com sua legitimidade, afinal a população não se sente representada e não aprova o trabalho deles, tanto é que não quer mais gente fazendo isso. Verdade também que o debate foi tomado pela superficialidade, já que pouquíssimas pessoas sequer se abriram para a possibilidade de pensar no que mudaria em suas vidas ter ou não vereadores a mais, se posicionando de plano contrariamente. Mas não se pode esperar maturidade política de uma democracia com pouco mais de 20 anos. Se assim o é, é porque existe uma relação de circularidade. Nem a classe política é exclusivamente culpada por uma população alienada, nem a população é exclusivamente culpada pela classe política que tem. O fato de que a população consegue se organizar e tem efetivamente protestado por um tema de seu interesse, no entanto, é animador.

Finalizo com um alerta do filósofo canadense Charles Taylor. Ele adverte que o individualismo de nossa sociedade, que produz indivíduos que “não estão nem aí” para a política produz uma espécie de “despotismo soft”.

“Pode até manter as formas democráticas, com eleições periódicas. Mas, de fato, tudo vai ser governado por um “imenso poder tutelador”, sobre o qual as pessoas vão ter pouco controle. A única defesa contra isso, Tocqueville pensa, é uma vigorosa cultura política na qual a participação é valorada, em vários níveis do governo, e nas associações voluntárias também. Mas o atomismo do individuo auto-absorvido milita contra isso. Uma vez que a participação decai, uma vez que as associações laterais que eram o seu veículo para ir além, o cidadão individual é abandonado em face do vasto Estado e sente-se, corretamente, impotente. Isso desmotiva ainda mais o cidadão, e o circulo vicioso do “despotismo leve” é instalado.” (TAYLOR, Charles. The Ethics of Authenticity. Cambridge: Harvard University, 2000. p. 10)

Leonardo Grison é advogado e mestre em direito público pela UNISINOS e se diz apreciador da política, sociologia, economia e filosofia.

Vi agora a pouco no blog do Pablo Calor que a Câmara De Vereadores de Miracema aprovou 11 vereadores, a vigorar na póxima legislatura. Também vi por lá a reação de repúdio ao aumento do número de vereadores pela maioria dos leitores daquele blog.

Um comentário:

Luiz Carlos Martins Pinheiro disse...

Amigo Hélcio

Bem pintado o nosso quadro político.

Contudo é preciso separar causa de efeito.

Ao nosso ver no tempo imperial quamdo o governo municipal era exercido pela Câmara Municipal, era muito mais apropriado, pelo menos, a grande maioria de nossos municípios.

Um único poder resolvia tudo, com muito mais objetividade e bem menor custo. Havia uma maior intimidade entre executivo e legislação e das poluções com o chefe de governo e vereadores.

Este sistema ainda existe na España, com sistema parlamentarista, com muita eficácia.

Não vemos razão nem para 9 vereadores que dirá para 11, em Municípios como Miracema. O importante é a representatividade e esta depende fndamentalmente do sistema de escolha. O voto por legenda já provou que não nos serve. A saída está no voto distrital.

Certamente o assunto carece de muitas outras considerações, mas fiquemos por aqui no momemnto.

Abraços, saúde e Paz de Cristo.
Luiz Carlos/MPmemória.