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domingo, 10 de janeiro de 2010

“A MORTE DA SEGREGAÇÃO DAS CALÇADAS DA RUA DIREITA”

Sem que houvesse imposição verbal ou escrita, as calçadas da rua Direita da Aldeia eram divididas pela própria população: os de classe social menos favorecida trafegavam do lado direito de quem desce a rua, enquanto os mais afortunados caminhavam do outro lado. Essa divisão das calçadas surgiu naturalmente, quando as pessoas se deram por si estava lá a divisão.

E assim perdurou durante muitos anos, até que num carnaval a prefeitura, influenciada pelo sucesso da festa popular do Carnaval da Bahia, montou um palanque na rua Direita, ao lado do Bar Jardinzinho, e colocou lá uma banda para tocar na sexta-feira de carnaval. E a população caiu no samba, sem perceber de que lado da rua os demais sambistas caminhavam na rua Direita. E Zé Navalha, famoso folião da Aldeia, comentou com amigos:

- A partir deste momento ficou decretada a extinção da segregação social das calçadas desta rua. Estava aqui comigo imaginando qual seria a minha fantasia pro Carnaval deste ano. Acabei de descobrir, vou me fantasiar de “A Morte da Segregação das Calçadas da Rua Direita”.

E os amigos pediram pro Zé Navalha detalhes da fantasia. E Zé respondeu: me aguardem amanhã aqui no Bar do Jardinzinho por volta de umas duas horas da tarde que vocês vão ver.

E a ansiedade tomou conta dos amigos do Zé. Ninguém queria perder ver a fantasia dele, porque as ideias que o Zé tinha pra fantasias eram fellinianas e completamente imprevisíveis. E a notícia correu pela Aldeia.

Ainda era meio-dia do sábado de carnaval e já era grande a concentração de gente em frente do Bar Jardinzinho. Bolinha e Bradeco, que eram também exímios foliões e mestres na arte de se fantasiar, estavam lá a espera do “A Morte da Segregação das Calçadas da Rua Direita”. Às duas horas em ponto, o Zé Navalha despontou na rua Direita empurrando um carrinho de mão.

- Minha Nossa! Bradeco, é o que estou pensando?
- É, Bolinha. Do Zé Navalha você espera o quê?
- Desta vez ele extrapolou! rapaz. Isto vai deixar a cidade em polvorosa. Com uma coisa desta não se brinca.
- Mas o Zé brinca, Bolinha.

Apesar do sol escaldante, Zé navalha estava trajando terno preto, camisa branca abotoada até o pescoço, com a cara esbranquiçada de pó-de-arroz e nos pés somente meias. Dentro do carrinho de mão que ele estava empurrando havia uma urna funerária.

Ele parou em frente do Bar Jardinzinho, abriu o caixão e tirou de lá um monte de velas e acendeu em volta do carrinho. Entrou no bar e tomou mais uma dose (mais uma porque ele já vinha virado da noite anterior) e brindou o fim da segregação das calçadas da rua Direita, entrou no caixão e dormiu por umas duas horas. Quando acordou, foi tomar mais uma talagada no bar e ficou fazendo folia em volta do caixão. E assim ficou de bar em bar durante às 96 horas dos quatro dias de carnaval.

Um comentário:

  1. Em tempos de carnaval, nada melhor do que reviver o muitos foliões folclóricos da terrinha.

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